Adolescentes que usam cigarros eletrônicos, ou vapes, hoje enfrentam a mesma probabilidade de começar a fumar cigarros convencionais que jovens da década de 1970, apesar de décadas de campanhas antitabagismo. Essa é a principal conclusão de um estudo inédito co-dirigido pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. A pesquisa, publicada na revista Tobacco Control nesta quinta-feira, 31 de julho de 2025, analisou dados de três coortes de nascimento no Reino Unido e sugere que o surgimento dos vapes pode estar revertendo a tendência histórica de queda do tabagismo entre os jovens.
Os pesquisadores descobriram que adolescentes que nunca haviam usado cigarros eletrônicos tinham uma chance menor que 1 em 50 de se tornarem fumantes semanais. No entanto, entre aqueles que faziam uso frequente de vapes, a chance de passar a fumar cigarros convencionais subia para quase 1 em 3 — um risco mais de 30 vezes maior.
O Retorno de um Comportamento de Risco
Cigarros eletrônicos, com sabores e embalagens atraentes, estão sendo vistos como uma alternativa “mais segura”, reintroduzindo o hábito de fumar socialmente.
“Para adolescentes que nunca usaram cigarros eletrônicos, observamos uma queda histórica no risco de fumar”, afirma Jessica Mongilio, pesquisadora da Escola de Enfermagem da Universidade de Michigan e uma das principais autoras do estudo. “Mas, para quem usa vapes, é como se décadas de políticas públicas e mudanças culturais não tivessem tido efeito algum.” Nas últimas décadas, o cigarro perdeu seu status glamoroso, sendo progressivamente estigmatizado e regulamentado.
No entanto, segundo os pesquisadores, os cigarros eletrônicos estão ameaçando esse avanço. Vendidos com sabores frutados e embalagens coloridas, eles são frequentemente percebidos por adolescentes como uma alternativa “mais segura”, uma percepção que especialistas consideram enganosa. “Esses produtos estão reintroduzindo o hábito de fumar como algo socialmente aceitável entre os jovens”, alerta Mongilio.
Metodologia do Estudo e Próximos Passos
A pesquisa acompanhou três gerações distintas para comparar comportamentos e entender o impacto do vape na saúde pública.
O estudo utilizou dados de três grandes levantamentos longitudinais realizados no Reino Unido: o Estudo de Coorte do Milênio (MCS), que acompanhou jovens nascidos em 2000 e 2001; o Estudo de Coorte Britânico de 1970; e o Estudo Nacional de Desenvolvimento Infantil (1958). Essa metodologia permitiu comparar o comportamento de diferentes gerações e evidenciar como os cigarros eletrônicos influenciaram a retomada do consumo de cigarros entre adolescentes, mesmo em um cenário de forte regulamentação antitabagismo.
Apesar dos resultados alarmantes, os pesquisadores afirmam que ainda não é possível concluir que o uso de vapes causa o tabagismo, mas reforçam que há uma forte associação entre os dois comportamentos. A equipe continuará monitorando os adolescentes da geração MCS para entender os efeitos do uso de cigarros eletrônicos a longo prazo. “Estamos apenas começando a entender o impacto desses dispositivos na saúde pública”, diz Mongilio. “Mas as evidências são cada vez mais claras e difíceis de ignorar.” Com base nos dados, os pesquisadores esperam impulsionar mudanças legislativas na Europa e maior fiscalização sobre a indústria de cigarros eletrônicos. No Brasil, os dispositivos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora ainda sejam facilmente encontrados.