Filipe Martins, ex-assessor da Presidência da República para Assuntos Internacionais, afirmou nesta quinta-feira, 24 de julho de 2025, em Brasília, ter sido usado como bode expiatório pelo tenente-coronel Mauro Cid. Cid, que é delator de uma trama golpista que visava manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder após a derrota eleitoral, teria colocado Martins em uma reunião crucial com comandantes das Forças Armadas e Bolsonaro em 7 de dezembro. Nessa reunião, Martins supostamente teria apresentado uma minuta de decreto golpista para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Em seu depoimento, que durou mais de quatro horas, Martins citou pareceres da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) que, segundo ele, questionam a credibilidade da delação de Cid. “Chegando a dizer inclusive que havia indícios de que ele poderia estar protegendo pessoas”, observou o ex-assessor. “E eu tenho a convicção de que ele poderia também procurando bodes expiatórios, me colocando numa reunião em que eu nunca estive.” Ele acrescentou: “Somente com base na palavra dele que se criou essa ideia de que eu teria redigido uma minuta de decreto golpista”.
Interrogatório e Acusações
Filipe Martins foi interrogado como um dos seis réus do Núcleo 2 da trama golpista, que, conforme a denúncia da PGR, teria atuado para manter Bolsonaro no poder. Os seis réus estão sendo ouvidos nesta quinta-feira por videoconferência. Os depoimentos são transmitidos ao vivo nos canais do Supremo Tribunal Federal (STF). A audiência é presidida pelo juiz auxiliar Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
O Núcleo 2 foi apontado pela PGR como um grupo de assessores de alto escalão que gerenciou ações. Essas ações incluíam a redação de uma minuta de decreto golpista e o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para os objetivos do complô.
Todos os réus respondem por cinco crimes, e as penas somadas podem superar 30 anos de prisão:
Organização criminosa armada
Golpe de Estado
Tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito
Dano qualificado
Deterioração de patrimônio tombado
O interrogatório dos réus é uma etapa fundamental do processo criminal, na qual os acusados têm a oportunidade de realizar sua autodefesa.
Negação da Participação em Reunião e Críticas à PGR
Martins se desculpou pela extensão de sua defesa, justificando estar há dois anos sem poder se manifestar publicamente devido a restrições impostas por Moraes. Ele alegou estar “sob censura há quase dois anos”, impedido de conceder entrevistas, manifestar-se em redes sociais, ou ser filmado e fotografado.
Questionado pela procuradora Gabriela Starling sobre seu registro de entrada no Palácio da Alvorada no mesmo horário da reunião de 7 de dezembro, que foi confirmada pelos comandantes das Forças Armadas da época, Martins negou ter estado no local. Apresentando documentos obtidos junto à Corregedoria-Geral da União (CGU), a defesa de Martins contestou a validade do registro como prova, apontando erros de grafia em seu nome.
Em sua fala, Martins destacou que o general Freire Gomes, comandante do Exército em dezembro de 2022, afirmou em depoimento como testemunha que “possivelmente” Martins estava presente na ocasião. O ex-assessor acusou a PGR de “suprimir a palavra ‘possivelmente'” ao concretizar o texto da denúncia, transformando uma dúvida em certeza.
Prisão Preventiva e Alegação de Fuga
Martins acredita que foi denunciado pela PGR, apesar da falta de provas de sua participação na trama golpista, para justificar sua prisão preventiva. Ele ficou preso entre fevereiro e agosto do ano passado, por mais de seis meses, sem justificativa, segundo ele. A prisão foi pedida pela PF, que apontou uma suposta intenção de fuga após encontrar na nuvem de dados de Mauro Cid uma lista de passageiros para o voo de 30 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro deixou o país rumo aos Estados Unidos.
No entanto, em depoimento na ação penal, Cid negou que a lista fosse definitiva e disse que não havia previsão de Martins embarcasse naquele voo. O embaixador André Chermont, ex-chefe do cerimonial da Presidência da República, também afirmou que Martins não constava da lista final de passageiros, nem era esperado que embarcasse. A defesa de Martins sustenta que a PF agiu “seletivamente” para prendê-lo, ignorando provas claras de que o ex-assessor não deixou o país no fim de 2022.