As audiências de custódia realizadas por videoconferência são menos eficazes na proteção dos direitos das pessoas presas e fragilizam o combate à violência policial quando comparadas ao formato presencial. Esta é a principal conclusão da pesquisa Direito sob Custódia: Uma década de audiências de custódia e o futuro da política pública de controle da prisão e prevenção da tortura.
O estudo, produzido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) com apoio da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), aponta que as sessões virtuais pioram o encaminhamento de investigações de tortura e maus-tratos.
Dados da pesquisa
Entre setembro e dezembro de 2024, o levantamento analisou 1.206 sessões em dez cidades de seis estados (Acre, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo). Do total analisado, apenas 19,3% das pessoas custodiadas relataram tortura, maus-tratos ou agressões. Salvador (35,3%) e Betim (31,4%) concentraram a maioria das denúncias.
Os dados demonstram que o respeito aos direitos da pessoa custodiada foi 17,5% maior nas audiências presenciais. A análise considerou fatores como o juiz explicar o objetivo da audiência, seu resultado e se alertou sobre o direito ao silêncio.
Outro achado alarmante é que o Judiciário raramente considera a violência policial como fator para reconhecer a ilegalidade da prisão. Das 27 decisões de relaxamento da prisão em que foi possível obter informação sobre o fundamento, apenas uma mencionou a violência na abordagem.
“O fato de quase um quarto das pessoas detidas relatar agressões ou maus-tratos revela um cenário alarmante que exige medidas imediatas de apuração e, quando houver indícios de violência policial, o relaxamento da prisão”, avalia Sylvia Dias, representante da APT no Brasil.
Virtualização e fragilização do direito
O IDDD aponta que a virtualização das sessões, intensificada durante a pandemia, agravou problemas estruturais e enfraqueceu a função essencial das audiências de custódia, que é coibir abusos e prevenir a violência policial.
A modalidade virtual segue predominante. Dados da plataforma Observa Custódia mostram que em 2024, apenas 26% das audiências foram presenciais. Dessas virtuais:
Local Inadequado: Apenas 26% foram feitas em sede judicial, como determina a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O restante ocorreu em delegacias e unidades prisionais.
Ausência de Defesa: Somente 26,2% das pessoas custodiadas tiveram advogado ou defensor público ao seu lado.
Inibição de denúncias: 37,5% das pessoas sem acompanhamento presencial da defesa ainda estavam cercadas por policiais durante a sessão, o que inibe denúncias de agressões.
De acordo com o IDDD, quando o juiz está presente no mesmo ambiente da pessoa, a condução da audiência é 25,3% mais efetiva para investigar denúncias, o que inclui registrar sinais visíveis de tortura.
Impacto de raça e gênero
O estudo também revelou um impacto do racismo institucional: entre pessoas negras que denunciaram violência, 27,9% não tiveram qualquer encaminhamento judicial para apuração, contra 17,8% entre pessoas brancas.
Na análise de gênero, as mulheres com filhos menores de 12 anos não apresentaram variação significativa na taxa de encarceramento: 28,9% para mães e 29,3% para as demais mulheres. A taxa indica o descumprimento do Marco Legal da Primeira Infância, que autoriza a substituição da prisão preventiva por domiciliar.
Legislação em sentido contrário
Apesar dos problemas, o presidente do IDDD, Guilherme Carnelós, critica que o Poder Legislativo tem se movido na contramão da efetividade. A recente Lei nº 15.272/2025, o chamado PL Antifacção, dá maior possibilidade à decretação de prisões preventivas e prevê que as audiências passem a ser feitas preferencialmente por videoconferência.
Segundo a coordenadora de programas do IDDD, Vivian Peres, o problema não é a falta de legislação, mas o descumprimento sistemático das normas já existentes. O IDDD defende que a presença física volte a ser a regra e que todo relato de violência seja devidamente apurado.










































