O assassinato de um familiar em uma chacina é apenas a primeira dor que as famílias precisam enfrentar. Além do luto, a lentidão da Justiça em processos de indenização e responsabilização do Estado perpetua a violência. A situação é vivida por familiares das 19 vítimas da Chacina de Osasco, Itapevi e Barueri, que completa dez anos nesta quarta-feira (13).
É o caso de Zilda Maria de Jesus, mãe de Fernando Luiz de Paula. Assassinado em um bar de Barueri, Fernando foi uma das vítimas da violência cometida por policiais militares. Dez anos depois, sua mãe ainda não recebeu qualquer tipo de indenização e precisou enfrentar o processo judicial sem direito a viver o luto.
Os múltiplos impactos da demora judicial
Segundo a professora de Direito da Unifesp, Carla Osmo, a demora da Justiça gera uma série de impactos, como o empobrecimento e o adoecimento das famílias. “Temos casos de adoecimentos muito graves relacionados a esse sofrimento”, observa a professora.
Coordenadora do projeto Clínica de Direitos Humanos da Unifesp, que apoia as famílias do caso, Carla explica que a lentidão gera uma frustração enorme. A falta de resposta do Estado, segundo ela, é vista como uma omissão que desvaloriza a vida dos mortos e a dor dos seus familiares. “São danos muito severos”, completa.
A luta pela responsabilização do Estado
Muitas famílias buscam na Justiça a responsabilização do Estado pelas mortes. A professora Carla Osmo explica que não apenas os agentes individuais que cometeram o crime devem ser responsabilizados, mas também o Estado, que tem responsabilidade institucional pela violência.
A Clínica de Direitos Humanos da Unifesp acompanha 16 processos na esfera cível. Desses, 11 foram movidos por familiares ou um sobrevivente da chacina. Apenas dois chegaram à fase de execução, mas, mesmo assim, sem que as indenizações tenham sido pagas. A média de duração dos processos é de seis a sete anos, e alguns, de 2018 e 2020, sequer tiveram uma sentença.
A demora judicial em chacinas é alimentada pela advocacia do Estado, que contesta as demandas das famílias. O Estado exige provas excessivas, levanta suspeitas sobre as vítimas e defende valores baixos de indenização para evitar o que chamam de “enriquecimento sem causa”.
A dor que se perpetua e a importância da memória
Dez anos após a chacina, a sensação para as famílias é de que a violência continua, como aponta Carla Osmo. “Esse não responder é muito violento”, afirma. Segundo ela, o tempo não apazigua a dor, e a angústia da espera faz com que o sofrimento seja sempre atual.
A coordenadora da Unifesp defende que é essencial continuar falando sobre o assunto para evitar que novas violências de Estado ocorram. “O apagamento do que foi a violência de Estado nesses diversos episódios de execuções coletivas (…) tem relação com a continuidade da violência”, conclui.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que o inquérito policial resultou no indiciamento de oito pessoas, sendo sete policiais militares e um guarda civil metropolitano, e que todos os PMs foram expulsos da corporação.