Distrito do Iata, 10h do dia 12 de abril de 1967. Foi neste pequeno e pacato território, ‘mais’ precisamente no seringal ‘Paraty’ que o personagem desta história veio ao mundo. Seu nome? Jesus de Oliveira Brasil. Uma ‘visão’ impactaria para sempre a vida de Jesus, o discípulo. “Tudo aconteceu em um lugar onde costumava eu ir com frequência quando criança. Foi neste local que eu tive a uma ‘visão’ me abrindo os olhos para uma missão que mudaria minha vida para sempre”.
Há 26 anos, o homem de estatura mediana e corpo franzino, decidiu que iria dedicar parte do seu tempo para repassar conhecimento acerca dos valores da vida, sobretudo, ao que se vincula o afugentamento das drogas. “É uma luta contra os homens: do mal, do traficante, o homem desse cenário, o interesseiro, o homem do crime”, declara.
Quarta-feira, 07 de junho de 2023. Antes do despertar do galo, Jesus já está de pé renovando os votos com a espiritualidade. O sinal da cruz é mais um pedido de proteção contra o embate do dia. “A luta contra mal é grande. E não é só o mal espiritual. Acordar cedo, ler a bíblia. Dobrar meus joelhos e orar. Até porque tem aquela palavra que diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”, exalta.
A bola em direção ao cesto é o arremesso para a continuação da existência, indica que o jogo de fato começou. Os encontros diários também são a certeza que todos continuam firmes no propósito. Chova ou faça sol. “Se temos ou não um local para as reuniões, afinal, no ‘show’, o relógio da vida é o principal adversário que cada um deles tem por obrigação derrotar. Levanta essa cabeça, olha para frente”, incentiva.
Nesta luta, o basquete foi escolhido como aliado para levar informação. É uma arma contra o oponente que age de maneira desleal, não enxergando idade, sobrenome e muito menos o sexo. “A gente duela contra eles todos os dias porque não querem ver uma juventude confrontante. Preferem que seja massa de manobra, escravizada. É essa luta do dia a dia que é grandiosa, assombrosa que às vezes causa medo na gente”, reflete ele.
O Clube Amigos do Basquetebol começou de fato em 1980 como um grupo de passeio fundado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Simón Bolívar. Naquela época, Jesus de Oliveira Brasil, no auge dos seus 13 anos, já nutria a intensão de desenvolver um projeto que envolvesse os jovens da região. “Naquela época, eu já estava com o pensamento em construir o Clube Amigos do Basquetebol, pois eu já nutria paixão pelo basquete”, recorda.
Localizado na porção Oeste, Guajará-Mirim é um dos 52 municípios de Rondônia. Segundo em abrangência territorial, Guajará conta com 24.856 km², tendo 93% da sua biodiversidade intacta, o que reflete no cenário de belezas naturais. Assim como a capital, a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, em meados do século XX também representou o surgimento da cidade que recebeu pessoas de diferentes nações.
Estar diante desse ambiente, revela aos jovens da pacata Guajará-Mirim a complexa relação do município, onde conviver com as drogas é natural, como tomar um sorvete em dias de calor. A cocaína é facilmente encontrada na cidade de pouco mais de 46 mil habitantes podendo ser adquirida em qualquer bairro. Tal facilidade se explica pela proximidade da Bolívia, o terceiro país da América do Sul em produção de pasta base de cocaína do mundo. Com o estado de Rondônia, a nação andina responde por cerca de dois mil quilômetros de fronteira.
Neste jogo em que os competidores incentivam o “adversário”, o astro, ou melhor, os astros quando não disputam em quadra permanecem próximos de Jesus incentivando uns aos outros. É que nas competições não se espera a derrota de nenhum dos lados. “Todos precisam entender que a luta aqui é para torná-los e mantê-los campeões, sobreviventes das adversidades com as quais convivem diariamente”, descreve Oliveira.
Em 12 de junho de 1997, aos 30 anos, Jesus de Oliveira Brasil, nascido filho de Franscisco Pompeu Brasil e Francisca Reinaldo Oliveira decidiu que iria tomar para si a responsabilidade que tem sido dispensada pelas autoridades de Guajará-Mirim. Tomado de amor pelo basquetebol, o agora senhor Jesus, o discípulo vem cumprindo a missão de zelar por uma sociedade mais justa em um ambiente carente por emprego, saneamento básico, esportes e qualidade de vida. “O CAB recebe jovens carentes, sonhadores, esperançosos, que buscam refúgio nesse ambiente de amizade e de cumplicidade. Guajará ainda vai levar algumas décadas para acompanhar outras cidades do eixo da BR para se desenvolver em todos os sentidos e isso infelizmente implica nessa população”, diz.
Quem vai a quadra pela primeira vez, pode pensar que tudo é uma brincadeira. O que não deixa de ser. “Me lembro bem que a primeira vez que fui conhecer o CAB, para cobertura de uma matéria na TV local, isso em 2007, cheguei a acreditar que se tratava de uma disputa de basquetebol, um jogo normal. Sai de lá com algumas dúvidas, pois aquilo não era apenas um ‘jogo’ notei que tinha algo a mais envolvido. Daquele dia nasceu uma reportagem com a qual até hoje o CAB é apresentado para Rondônia e nacionalmente, inclusive paras estrelas do basquete brasileiro”.
A falta de oportunidade após a conclusão do ensino médio une-se ao desemprego, roubando da maioria dos jovens do município que já teve seu auge econômico nos produtos importados, na década de 90, a possibilidade de alçarem voos mais altos, de poder contar com um futuro promissor. Mas nem tudo está perdido. O hoje técnico em refrigeração, Eduardo Biliatto é um dos grandes exemplos criados pelo CAB. Atualmente morando em Nova Califórnia, distrito de Porto Velho, Billiatto recorda da época, e acredita que “o ser humano que tornou foi graças aos muitos ensinamentos praticados pelo projeto”.
Outro exemplo entre os mais de 40 jovens que participam do CAB atualmente é o estudante, Lucas Barreto. Recentemente, o rapaz de 22 anos esteve entre a vida e a morte após sofrer seguidamente dois AVCs e necessitar implantar uma válvula aórtica. Lucas é daquele tipo de pessoa que está sempre com um sorriso nos lábios, independente da dificuldade que esteja passando. Para ele não restam dúvidas que a sua recuperação está ligada a fé, o que implica o convívio no projeto. “O CAB é uma segunda família. Quando estava no hospital em tratamento, eu falava muito que queria voltar a treinar, a jogar. Sem o CAB, eu sei que estaria nas drogas. O clube tem me oferecido uma vida honesta onde cada momento é aproveitado. Nos divertimos muito”, enaltece.
Na fronteira com a Bolívia, o Clube Amigos do Basquetebol ganhou integrantes de ouro. Ex-jogadores da Seleção Brasileira de Basquete como a grande jogadora Hortência Marcari e o ex-técnico da seleção feminina, Miguel Ângelo da Luz, não apenas sabem da existência do CAB como são apoiadores. “Penso um dia visitar Guajará-Mirim para conhecer o Projeto Clube Amigos do Basquetebol. Quero compartilhar alguma coisa com essa garotada”, disse o técnico campeão brasileiro.
Com a palavra quem foi parte da missão de Jesus há 12 anos. “Jesus sempre diz que o Clube Amigos do Basquete é a paixão eterna da vida dele. Eu digo que o Clube Amigos do Basquetebol é a paixão eterna das nossas vidas”, lembra Luan Oliveira.
Jesus pode não ser o ‘Messias prometido’, mas coube a sua dedicação estabelecer nos jovens de Guajará-Mirim a certeza de que o futuro que tanto almejam depende da atitude de cada um deles perante os percalços da vida. De dizer não às facilidades que lhes são apresentadas pela criminalidade, não, principalmente às drogas. De olhar para trás e enxergar um placar que até o momento contabiliza 26 anos de vitória do Clube Amigos do Basquetebol, tendo a certeza de que as sementes plantadas deram bons frutos. “São 26 anos, um tempo que o CAB conseguiu influenciar para o lado do bem tanta gente bacana, pessoas que estão bem em todos os aspectos da vida. São sementes plantadas em árvores que deram bons frutos. Essa foi a participação do Clube Amigos do Basquetebol. No mais, a guerra continua com a certeza de que venceremos”, finaliza, Jesus.