Por Marquelino Santana
A floresta brasiviana do rio Mamu carrega no seu bojo uma exuberante riqueza mítica, condicionada a um vasto campo de singularidades e pluralidades que impregnado aos modos de vida daquela comunidade ribeirinha da Amazônia pandina boliviana, adquire uma contemplação transcendental poetizante, capaz de estabelecer em sua dimensão espiritual, um inebriante equilíbrio entre o homem em seu estado criador e a natureza com sua grandeza simbólico – cosmogônica.
Este equilíbrio estetizante faz com que o espaço vivido amazônico seja metamorfoseado diante de um profundo entrelaçamento entre o ser do ente, e os seres divinizados da natureza que os alojam em sua cosmopolita vastidão.
Diante do exposto podemos dizer que os saberes e fazeres do homem ribeirinho estão intimamente ligados aos poderes mitológicos que ele criou no exercício de seus devaneios.
Os devaneios poéticos dos seringais
São valores de seres divinizados
No imaginário estão imortalizados
Em espíritos de forças transcendentais
São ações materiais e imateriais
Que refletem no seu espaço de ação.
O seringal é um constructo da imaginação
Na poética estetizante do simbólico
Na crendice deste poder mitológico
E na grandeza desta vasta dimensão
Segundo o escritor amazônico, João de Jesus Paes Loureiro, o homem ribeirinho produz beleza, é uma beleza que nasce nas brumas do sfumato de um devaneio que apaga os contornos entre o real e o imaginário, que atua como fator de poeticidade, incorporando o estético no contexto de seus fenômenos sociais.
A poética está intrinsicamente ligada ao real e ao imaginário. Dentre uma diversidade mitológica que preenchem os devaneios brasivianos, podemos aqui enumerar o exemplo de quatro mitos: o menino boto, o caboclinho da mata, o velho da canoa e a mãe da seringueira.
Para Paes Loureiro é possível que a contemplação devaneante seja uma das atitudes do caboclo, do homem amazônico, propiciadoras de um ethos próprio em sua cultura, gênese dessa teogonia do cotidiano que vai povoando de mitos, os rios e a floresta.
Desta forma, segundo o mesmo autor, esta convivência é dotada de um sentimento que influência o próprio comportamento do homem ribeirinho num povoamento de seres com os quais os homens convivem sob a dominância de um sentimento estetizador que tece a teia dessa cultura como fator de coesão social e condicionador de comportamentos.
A floresta inefável é vida poetizante
O poder mítico organiza seu espaço
Terra e homens vivem um só entrelaço
Em um cenário ético contagiante
Neste vivido mundo exuberante
O seringueiro é um ente peculiar
Sonhar, recriar e vivenciar
São aspectos de sua Florestania
E na essência deste ser de cada dia
Vai surgindo o sentido de lugar
O mítico, desta forma, passa a fazer parte do ser do homem amazônico em sua essência, modelando seus fazeres e fortalecendo o sentido de pertencimento com a terra, através de uma poética que embeleza a identidade brasiviana.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.