Autor: Marquelino Santana
A embelecida paisagem da fronteira brasiviana nos faz sentir integrado a uma estetizante e harmoniosa relação com a fabulosa natureza. Essa deslumbrante fascinação entre homem e floresta de um mundo ornado de brandura nos coloca diante de um esplendor e florescente sentido da vida divinal. Nessa formidável e colossal relação entre ser, lugar e tempo, a natureza na sua briosa generosidade, torna-se cada vez mais imensurável, como que adormecida no colo da mãe terra.
Mas precisamos compreender que no mundo há também o impoluto, e que as máculas afetam negativamente o processo prazeroso do bem viver. Para o ativista ambiental Pablo Solón, o objetivo do bem viver é a busca do equilíbrio entre diferentes elementos que compõem o todo. Para o mesmo autor, é uma espécie de harmonia não apenas entre seres humanos, mas também entre humanos e a natureza, entre o material e o espiritual, entre o conhecimento e a sabedoria, entre diversas culturas e entre diferentes identidades e realidades.
Nesse mesmo sentido o economista Alberto Acosta nos esclarece que o bem viver aceita e apoia maneiras distintas de viver, valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a plurinacionalidade e o pluralismo político. Para Acosta é necessário adotarmos uma diversidade que não justifique nem tolere a destruição da natureza, tampouco a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos privilegiados às custas do trabalho e sacrifício dos outros.
O bem viver da terra mãe precisa, portanto, conviver imbricado às paisagens da fronteira brasiviana, caso contrário, elas deixarão de existir face às ações predatórias da mente humana. Segundo Paul Vidal De La Blache, sem dúvida, a ação do homem se faz sentir sobre seu meio desde o dia em que sua mão se armou de um instrumento. O também geógrafo francês Georges Bertrand, nos diz que a paisagem não seria a simples junção de elementos geográficos, mas a combinação dinâmica, estável, dos elementos físicos, biológicos e antrópicos, porque segundo ele, a paisagem não é apenas natural, mas é total, com todas as implicações da participação humana.
O homem precisa ser complacente com a esperança, com o equilíbrio e com a própria consciência no sentido de poder continuar devaneando-se na suntuosidade da natureza e do seu espaço de ação, pois conforme nos instiga Carl Sauer, nós não podemos formar uma ideia de paisagem a não ser em termos de suas relações associadas ao tempo, bem como suas relações vinculadas com o espaço.
No entanto, Paul Claval, nos esclarece que os espaços humanizados superpõem múltiplas lógicas, ou seja, eles são em parte funcionais, e em parte simbólicos. O mesmo autor ressalta que a cultura marca esses espaços de diversas maneiras, isto é, modela-os através das tecnologias empregadas para explorar as terras ou para construir os equipamentos e as habitações, e molda-os através das preferências e os valores que dão as sociedades, suas capacidades de estruturar espaços.
Apesar da sua contemplação devaneante da natureza, as paisagens da fronteira brasiviana continuam sendo ameaçadas de forma desenfreada pela ação humana malevolente. Para João de Jesus Paes Loureiro, uma das características desse modelo capitalista na Amazônia tem sido as profundas transformações que imprime à natureza, à paisagem e ao homem, na medida em que o sistema de vida é radicalmente conflitado. Para Loureiro, é um modelo que leva ao lado do desapossamento do homem, uma ação desnaturadora da paisagem e seu entorno cultural.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.