Autor: Marquelino Santana
Nos devaneios poéticos da imaginação, o homem celebra entranhado à natureza a sua divinizante exaltação dos sentidos. De forma desmesurada ele medita nas suas peculiaridades estetizantes para apropriar-se ontologicamente das encantarias florestais e da exuberância cósmica que o fascina.
Nessa relação plurissignificante da existência humana com os seus transcendentais modos de vida há uma vivência indissociável da memória coletiva com o sustentáculo espiritual do lugar. Família, casa, mata, terra, rio e mito, constituem um conjunto deslumbrante de valores singulares e plurais que alimenta o ser de pertencimento e enraizamento com o espaço de ação e com o mundo ancestral e cosmogônico imbricado simbolicamente ao tempo.
Esse espaço de ação originalmente beiradeiro ensina a humanidade a caminhar livremente sem estereótipos ou estigmatizações, e sendo empaticamente tolerante às diferentes diferenças. O beiradeiro nos conduz a viver com benevolência e comiseração, a ser impoluto e virtuoso, e a sorrir generosamente, com respeito, honradez e maviosidade com os nossos semelhantes.
O lar ribeirinho nos faz pensar no outro, nos faz caminhar relutante, sem insolência ou execração, nos faz sentir a magnitude heterotópica da vida, e nos faz acreditar no imensurável e estetizante advento do bem viver nas casas mátrias da humanidade.
Para Gaston Bachelard “a casa é o nosso canto do mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo”, enquanto para Otto Bollnow, “a casa segue sendo, um significado profundo, um território inviolável da paz”.
Desta forma podemos dizer que a casa amazônica ribeirinha, ela é inseparável da água, da mata, da vida e do universo cosmogônico planetário. Da casa ribeirinha brotam os mitos, os mitos preenchem o espírito, o espírito eleva-se à alma, e a alma na sua profunda estesia, faz o homem devanear-se na transcendental beira do rio.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.