Autor: Marquelino Santana
O embelecido povo ribeirinho, tradicionalmente entrelaçado à harmonia estetizante da natureza, de repente viu o esplendor colossal de seu mundo, render-se de forma exacerbada ao embuste ardiloso da mentira.
A liberdade de ir e vir às margens do rio Abunã foi contenciosamente barrado pela incúria e desmazelo da ignávia humana. Impedido de comtemplar e devanear-se nas águas desse suntuoso rio, o povo beiradeiro, continua assim sendo, apenas no inefável mundo do seu rico imaginário.
A antiga estrada de seringa e o antigo varadouro que ligava os seringais Mocambo e Pequiá – dentre outros – aos seringais bolivianos do Departamento de Pando, agora transformou-se num espaço turbulento, claudicante, desluzido e tenebrosamente segregado pelos efeitos reais de um mundo globalizado.
O avanço desenfreado desse mundo hostil, tacanho e pérfido, desconhece profundamente os valores tradicionais da alma ribeirinha; uma alma que insiste em sonhar com o radiante barulho do remo como que penteando os mitológicos cabelos da Mãe-d’água, mas que infelizmente, agora são execradamente penteados pela perversidade humana.
A velha colocação transformou-se em infortúnio, pedra, portão e mácula, enquanto os tradicionais fazeres do povo ribeirinho foram tenebrosamente asfixiados pelo estrondoso banquete da dinamite e pela sobremesa doentia do pó de brita.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.