Autor: Marquelino Santana
Um lugar embelecido e estesiante aloja seus povos milenares no útero da terra mãe. Era um lugar fascinante e harmonioso, e o seu deslumbrante esplendor, alimentava os seus filhos com uma generosidade impoluta, complacente e imensurável da vida em comunhão.
Coletividades pujantes, devaneadoras e transcendentais, reluziam radiantes e com obstinação, uma inenarrável volúpia, de uma cotidianidade original e prodigiosa voltada para uma ação cosmopolita, benévola e divinal.
Sob a proteção dadivosa dos deuses míticos e de suas encantarias florestais, os povos da mata virgem, vivificavam de forma inebriante a viscosidade da terra, entrelaçando o seu cordão umbilical a natureza, numa exaltação iniludível dos sentidos ontológicos da existência humana.
Este enleamento estetizante do homem com o bem viver, em sua desmesurada magnitude, e entronizado pela beleza mitológica de seus modos de vida originais, não perdia a sua maviosidade simbólica – cosmogônica, e suas presentificações e representações, retratadas através de uma visão holística de mundo.
O pertencimento, o sentimento e o enraizamento sócio-linguístico-cultural não se apagavam, o empoderamento mito-ritualístico não esmaecia, enquanto as suas imaculadas e estetizantes tradições, se fortaleciam num entranhamento material e imaterial de um imaginário coletivo privilegiado.
Travessias oceânicas tradicionais trouxeram vidas e coletividades originais para embelecer a mata e a terra, enquanto outras travessias criminosas de poderosas navegações europeizadas, trouxeram desgraça, escabrosidade e infortúnio ao bem viver.
No espaço e tempo o lugar transformou-se em repulsa e abominação, as relações com a natureza foram cruelmente afugentadas, os modos de vida sofreram abrutamento, as vozes da floresta foram caladas, o bem viver foi arruinado pela arrogância, enquanto a avidez humana e aviltante, chegou, enfim, ao seu lamentável apogeu.
O etnocídio avançou desenfreado, coletividades inteiras foram arrebatadas pelo rancor, e a fé de outro mundo, batizou o descalabro e o extermínio de vidas que ainda insiste em não cessar.
A valentia dos povos indígenas é o heroico mote da resistência, o ódio e a empáfia não conseguiram fazê-los desaparecer como um todo, a semente da vida voltou a germinar, as suas forças não foram extenuadas para sempre, a estesia deixou de ser escamoteada, os seus passos foram revivificados, e uma nova caminhada anuncia que eles estão fugindo das trevas.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/UNIR e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina – UEL.