As desigualdades socioeconômicas seguem impactando de forma direta o acesso à educação infantil no Brasil, especialmente entre crianças de famílias em situação de vulnerabilidade. A constatação é de um estudo inédito da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, realizado em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a partir do cruzamento de dados do CadÚnico e do Censo Escolar de 2023.
Os números revelam um cenário preocupante. Do total de 10 milhões de crianças de baixa renda na primeira infância cadastradas no CadÚnico, apenas 30% estavam matriculadas em creches até dezembro de 2023. Na pré-escola, etapa obrigatória da educação básica, o índice também está abaixo do ideal: 72,5% das crianças de 4 e 5 anos dessas famílias frequentavam a escola.
Segundo a presidente da Fundação, Mariana Luz, a creche é um espaço essencial, especialmente para crianças em situação de vulnerabilidade. “Ela é um ambiente de aprendizagem, desenvolvimento e também de proteção. Em uma creche integral, a criança se alimenta várias vezes ao dia e está em um espaço seguro”, destacou.
Mesmo com avanços recentes — o atendimento em creches para crianças do CadÚnico passou de 20% para 30% —, o estudo mostra que 70% ainda estão fora, número dez pontos percentuais abaixo da média nacional, atualmente em torno de 40%.
Desigualdade regional
As disparidades são ainda mais evidentes quando observadas por região. O Norte apresenta a menor taxa de matrícula em creches para crianças de baixa renda, com apenas 16,4%, seguido pelo Centro-Oeste (25%) e Nordeste (28,7%). Apenas o Sudeste (37,6%) e o Sul (33,2%) superam a média nacional.
Na pré-escola, as diferenças persistem, com taxas variando entre 68% e 78%, novamente com Norte e Nordeste registrando os piores indicadores.
Raça, gênero e deficiência
O estudo aponta ainda que raça, gênero e deficiência influenciam diretamente o acesso à educação infantil. Crianças brancas têm mais chances de frequentar creches e pré-escolas do que crianças pretas, pardas e indígenas. Entre famílias de baixa renda, a probabilidade de matrícula é 4% maior na creche e quase 7% maior na pré-escola para crianças brancas.
As meninas também enfrentam desvantagem, com 4% menos chances de frequentar creches, enquanto crianças com deficiência têm 13,4% menos probabilidade de estarem matriculadas na pré-escola. Para Mariana Luz, os dados evidenciam que a desigualdade estrutural começa ainda na primeira infância. “A escola é um espaço fundamental para combater desigualdades, e justamente quem mais precisa é quem está ficando de fora”, afirmou.
Renda, trabalho e moradia
Fatores como emprego formal, escolaridade dos responsáveis e condições de moradia também influenciam o acesso. Quando o responsável familiar tem vínculo formal de trabalho, a chance de a criança estar na creche aumenta em 32%. Já a informalidade reduz as chances tanto na creche quanto na pré-escola.
O estudo mostra ainda que crianças que vivem em bairros com melhor infraestrutura urbana têm mais probabilidade de frequentar a escola. Por outro lado, programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ampliam significativamente as chances de matrícula.
Debate nacional
O levantamento foi divulgado em meio às discussões sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE) e outras políticas voltadas à primeira infância. Para Mariana Luz, o desafio central é garantir equidade, oferecendo mais para quem tem menos. “As crianças do CadÚnico deveriam estar todas na sala de aula. A educação infantil é um instrumento comprovado de combate às desigualdades, e mantê-las fora desse espaço é inadmissível”, reforçou.
O estudo conclui que a ampliação do acesso à educação infantil exige priorização das populações mais vulneráveis e ação integrada entre União, estados e municípios, para que a educação cumpra seu papel estruturante no desenvolvimento das crianças e na redução das desigualdades sociais no país.











































