No Vale do Guaporé, na fronteira entre Rondônia e a Bolívia, milhares de filhotes de tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa) começaram a seguir em direção ao Rio Guaporé neste mês de dezembro de 2025. A soltura dos filhotes representa uma etapa essencial do ciclo natural da espécie, considerada símbolo da biodiversidade amazônica.

Apesar dos desafios ambientais enfrentados neste ano, como alterações no regime de chuvas, a eclosão dos ovos ocorreu dentro da normalidade, segundo órgãos ambientais e entidades que atuam na região.
Desova e nascimento dos filhotes
Em 2025, o período de desova da tartaruga-da-Amazônia começou com atraso, influenciado principalmente por mudanças climáticas. Ainda assim, a eclosão dos ovos teve início no começo de dezembro.

Em Rondônia, a espécie desova em praias localizadas nos municípios de Costa Marques e São Francisco do Guaporé. O processo reprodutivo também ocorre em praias situadas na margem boliviana do Rio Guaporé.
A fase de nascimento é considerada uma das mais vulneráveis do ciclo de vida da espécie. Ao emergirem da areia, os filhotes ficam expostos a predadores naturais, como urubus e outras aves. Já no rio, enfrentam riscos de jacarés e peixes de maior porte.
Monitoramento e proteção das praias
Para garantir a preservação do maior berçário de tartarugas de água doce do Brasil, a Associação Comunitária e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) acompanham todas as etapas do processo reprodutivo.
O monitoramento começa com a subida das fêmeas às praias, passa pela postura dos ovos e segue até a eclosão e soltura dos filhotes. O trabalho conta com o apoio de outros órgãos públicos, instituições, empresas e voluntários.
Ao longo dos anos, essas ações integradas permitiram que milhões de filhotes alcançassem o Rio Guaporé, reforçando a importância da fiscalização, da educação ambiental e da proteção contínua das áreas de desova.
Avaliação ambiental
O ambientalista José Soares Neto, conhecido como Zeca Lula, fundador da Ecovale, explica que, apesar do atraso na desova, o nascimento dos filhotes ocorre dentro da normalidade.
Segundo ele, as chuvas começaram mais cedo neste ano, o que gerou preocupação quanto à possibilidade de a eclosão coincidir com a cheia do rio. “No ano passado, o rio encheu rapidamente e houve grandes perdas. Neste ano, as chuvas se normalizaram e a natureza seguiu seu curso”, afirmou.
Após a eclosão, os filhotes permanecem temporariamente em áreas cercadas. O procedimento permite a contagem dos indivíduos e reduz o chamado “pitiú”, odor que atrai predadores.
De acordo com o Ibama, entre os dias 11 e 15 de dezembro, foram contabilizados cerca de 60 mil filhotes. A expectativa é que o pico de eclosão ocorra até o fim de dezembro e início de janeiro.
Importância ecológica da espécie
O biólogo Leandro de Oliveira Almeida, gerente de Desenvolvimento das Políticas Públicas em Educação Ambiental da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), destaca que o nascimento em grande quantidade faz parte de um ciclo natural essencial para o equilíbrio dos ecossistemas.
Segundo ele, nem todos os filhotes chegam à fase adulta, o que é esperado. “Esses filhotes também servem de alimento para outros animais, mantendo o equilíbrio natural da vida”, explicou.
Leandro lembra que a tartaruga-da-Amazônia sofreu forte pressão de caça no passado e esteve ameaçada de extinção na década de 1990. Atualmente, a espécie é protegida por lei, mas ainda depende de conscientização contínua.
Além disso, a tartaruga exerce papel importante na dispersão de sementes, no controle de algas e na manutenção da vegetação aquática da bacia amazônica.
Soltura simbólica e educação ambiental
Além das solturas diárias, a Ecovale e o Ibama realizam anualmente uma ação simbólica de educação ambiental com a participação da comunidade e de autoridades.
Em 2025, a atividade ocorreu no dia 14 de dezembro, com a soltura de aproximadamente 12 mil filhotes no Rio Guaporé. Participaram do evento os deputados estaduais Ismael Crispin (PP) e Luizinho Goebel (Podemos), que destinou recursos para a entidade por meio de emenda parlamentar.
Ao longo do ano, ações educativas são desenvolvidas em escolas da região. Segundo Zeca Lula, o trabalho com crianças é fundamental para combater a caça predatória. “Nosso objetivo não é apenas salvar filhotes, mas mudar a lógica do consumo ilegal por meio da educação ambiental”, afirmou.
A voluntária e advogada Ozana Sotelle de Souza Rozendo, que atua desde 2021 nas atividades da Ecovale, reforça a importância dessas iniciativas. “As tartarugas indicam a saúde dos rios amazônicos. Preservá-las é preservar todo o ecossistema”, destacou.
Preservação contínua
O Vale do Guaporé é considerado o maior berçário de tartarugas de água doce do Brasil e um dos maiores do mundo. A proteção da espécie depende da atuação conjunta de comunidades locais, órgãos ambientais, instituições parceiras e ações permanentes de educação ambiental.





































