O Supremo Tribunal Federal (STF) tem placar de dois votos a um pela manutenção do concurso da Polícia Federal, que tem provas marcadas para o próximo domingo (23). A ação foi apresentada por advogados de uma candidata de Pernambuco e questiona a realização dos exames em meio à pandemia, mesmo com restrições de circulação devido à Covid-19.
O julgamento do caso no plenário virtual ocorrerá ao longo desta sexta-feira (21), até às 23h59. O plenário virtual é uma modalidade de deliberação em que os ministros apresentam os votos na página do Supremo na internet, sem a necessidade de uma sessão presencial ou por videoconferência.
Pela primeira vez, a Corte vai realizar este tipo de votação em apenas um dia. Geralmente, os processos ficam submetidos ao plenário virtual por pelo menos uma semana – este prazo é prorrogado quando há algum feriado, por exemplo.
O ministro Edson Fachin, do STF, é o relator da ação e votou nesta sexta-feira (21) pela suspensão do concurso, enquanto que os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli votaram pela manutenção do exame (veja mais abaixo).
O concurso da PF vai preencher vagas para os cargos de delegado, agente, escrivão e papiloscopista.
Ação
A ação questiona a realização do concurso "mesmo com os inúmeros decretos restritivos dos Estados e Municípios, bem como os altos índices de contágios, infecções e mortes pela COVID-19 em todo o país".
A defesa da candidata argumenta que realizar a prova em meio à pandemia viola decisões tomadas pela Corte no ano passado, que reconheceram a autonomia de estados e municípios para tomar medidas para evitar o contágio pelo coronavírus.
"O ato administrativo [o edital que convocou o concurso] oriundo desta reclamação não atende a realidade dos Estados e Municípios locais, pois exige que todos os Municípios e Estados – de forma irrestrita – apliquem a prova do referido certame público, mesmo com decretos estaduais restringindo tais serviços, o que, por si só, já viola a própria autonomia municipal e Estadual, sobretudo as razões de decidir deste Supremo Tribunal Federal", afirmou.
"Não se discute o caráter essencial dos policiais federais e o seu papel perante a segurança pública do país, porém, tal circunstância, por si só, não pode justificar a exposição de mais de 320 mil pessoas no período mais crítico da pandemia, até porque, vale ressaltar que os próprios agentes públicos – Policiais Federais – já se encontram imunizados, o que não foi garantido aos candidatos, gerando um risco concreto a saúde, aumentando, cada vez, a proliferação do vírus e suas variantes", completou.
Voto
Ao inaugurar o julgamento, o relator ponderou que a realização das provas vai levar ao deslocamento e a concentração de candidatos em locais onde há medidas restritivas por conta da pandemia.
"A realização de provas implicará o deslocamento e a concentração de concursandos em municípios ou Estados que estão adotando medidas restritivas em atenção às evidências científicas sanitárias, sob o risco de colapso dos seus sistemas de saúde: Fortaleza; João Pessoa; Curitiba; Pernambuco e São Luís", afirmou.
O ministro ressaltou que, como o STF reconheceu a possibilidade de atuação dos governos locais para tomar medidas restritivas com o objetivo de combater a circulação da doença, a União não pode, sem evidências técnicas ou científicas, "impor a realização das provas".
"Havendo este Supremo Tribunal Federal reconhecido a legitimidade dessas medidas restritivas, desde que amparadas em evidências científicas, não pode a União, sem infirmar ou contrastar essas mesmas evidências, impor a realização das provas e a ofensa aos decretos locais, havendo razões e recomendações das autoridades sanitárias que amparam as restrições locais", declarou.
O ministro disse ainda que o voto pela suspensão das provas "não se trata de interferência indevida nas competências da União para a realização de seus concursos", mas sim, de uma forma de assegurar a "repartição cooperativa de competências da federação" para adotar "medidas sanitárias necessárias à contenção da pandemia".
"Não se trata de interferência indevida nas competências da União para a realização de seus concursos, mas de sua conformação na repartição cooperativa de competências da federação, havendo este Supremo Tribunal Federal assentado a competência dos Estados e também dos municípios para adotar as medidas sanitárias necessárias à contenção da pandemia, as quais seriam, sim, violadas pela realização das provas e inevitável concentração de pessoas", ressaltou.
Divergência
Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes votaram pela manutenção do concurso.
Moraes abriu a divergência. O ministro ressaltou que o fato do Supremo ter reconhecido a competência de governos locais para a adoção de medidas sanitárias no combate à pandemia não autoriza por outro lado, a interferência "no exercício de atividades eminentemente públicas e próprias da União".
"A autonomia conferida aos Municípios e Estados para a tomada de medidas locais de contenção da epidemia dirigem-se às atividades dos particulares e de órgãos públicos próprios de cada ente, não se admitindo a interferência de decisões no âmbito municipal no exercício de atividades eminentemente públicas e próprias da União, como a realização de concursos público ou o funcionamento de serviços públicos federais", disse.
"[..] Admitir-se tal solução seria admitir a interferência dos Municípios e Estados no exercício da administração da União, o que violaria a própria lógica do federalismo e da autonomia dos entes", afirmou em seu voto.
O ministro também pontuou que os organizadores do concurso deixaram claro no edital orientações a respeito dos cuidados a serem tomados para garantir a segurança dos candidatos nos locais de realização das provas e evitar a transmissão do coronavírus. Salientou ainda que é necessário que o concurso seja realizado seguindo protocolos científicos de segurança.
Ao acompanhar a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, pela manutenção das provas, o ministro Dias Toffoli afirmou que "a imposição de regramentos estaduais e municipais" como impedimento para a realização do concurso "constitui indevida interferência na autonomia da União".
“De outro lado, a imposição de regramentos estaduais e municipais como óbice na execução de etapa necessária do certame federal, a meu ver, constitui indevida interferência na autonomia da União na organização e manutenção da polícia federal como órgão permanente, na medida em que impede a concretização da contratação de servidores públicos relacionados a atividades essenciais do Estado”, ressaltou.
Toffoli ponderou ainda que os organizadores deixaram claro no edital os cuidados para evitar a transmissão do coronavírus durante a realização dos exames.