Crianças indígenas da etnia Avá-Guarani, que vivem no oeste do Paraná, deixaram de frequentar as aulas após uma série de ameaças e violências registradas na região, marcada por conflitos históricos.
A situação se agravou depois que o indígena Everton Lopes Rodrigues, de 21 anos, foi encontrado decapitado em julho deste ano. No local, havia uma carta com ameaças diretas às comunidades, especialmente a crianças e adolescentes que utilizam ônibus escolares.
Segundo o Ministério Público do Paraná (MP-PR), o bilhete dizia que “ônibus com crianças seriam queimados vivos” caso os indígenas não interrompessem processos de retomada de terras.
O clima de medo atingiu aldeias em Guaíra, um dos cinco municípios que compõem as Terras Indígenas (TIs) Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga, onde vivem mais de 500 crianças.
Lideranças relatam que famílias impedem filhos de embarcar nos ônibus escolares. “Eles disseram que queimariam nossos ônibus. Sabemos que isso pode acontecer porque existem veículos só com estudantes indígenas”, afirmou Vilma Rios, liderança Avá-Guarani.
A advogada Ana Caroline Silva Magnoni, da Comissão Guarani Yvyrupa, reforçou que além das ameaças no transporte, as crianças enfrentam racismo dentro das próprias escolas, o que agrava traumas e pode gerar evasão.
Rede de ensino
De acordo com dados locais, 48 crianças indígenas estão matriculadas em escolas de Terra Roxa e 260 em Guaíra. Porém, como as escolas indígenas da região não comportam toda a demanda, a maioria precisa frequentar instituições não indígenas em áreas urbanas, aumentando os riscos nos deslocamentos.
A Secretaria de Educação do Paraná informou que a rede estadual mantém 40 escolas indígenas, atendendo 5,5 mil alunos de diferentes etnias, e que trabalha junto ao MP para reforçar a segurança.
Reforço na proteção
Na última sexta-feira (15), MP-PR e Ministério Público Federal (MPF) recomendaram medidas emergenciais às forças de segurança:
-
reforço imediato do policiamento em trajetos escolares;
-
plano de segurança em pontos de embarque e desembarque;
-
monitoramento de ameaças e crimes de racismo;
-
comunicação constante entre autoridades e lideranças indígenas.
A Guarda Municipal de Guaíra afirmou que já realiza rondas e acompanha os ônibus escolares.
Para Vilma Rios, no entanto, a solução definitiva vai além do policiamento. “A única forma de garantir a proteção das nossas crianças é a demarcação do território e a construção de escolas dentro da aldeia”, destacou.
Conflitos históricos
A disputa por terras na região se intensificou desde a construção da Usina de Itaipu, que alagou áreas tradicionalmente ocupadas pelos povos Avá-Guarani. A Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, por exemplo, se sobrepõe a 378 propriedades rurais, segundo a Comissão Guarani Yvyrupa, e sofre forte pressão do agronegócio.
Em junho, o Incra iniciou avaliações de áreas que serão adquiridas para as comunidades indígenas, e as primeiras famílias começaram a ser assentadas em julho. O processo, porém, ainda não tem prazo para ser concluído.