A Justiça de Rondônia manteve a condenação de 17 anos e 4 meses de prisão, em regime fechado, de um homem de Pernambuco por estupro virtual consumado e tentativa de estupro contra uma criança de apenas 8 anos, moradora do interior do estado.
Segundo o processo, os crimes começaram em 2022 e se estenderam até 2024, quando a vítima completou 10 anos. Nesse período, o agressor usava o WhatsApp para ameaçar e obrigar a menina a produzir fotos e vídeos íntimos. As ameaças incluíam imagens de armas e frases como “mesmo se for para o inferno, será estuprada”. Ele também dizia saber onde a vítima estudava, mantendo controle psicológico sobre ela.
Em depoimento especial, a criança contou que recebeu mensagens do celular do homem, que ela não conhecia, e que havia ameaças aos pais dela. Assustada, a criança teria feito as fotos, que foram armazenadas pelo criminoso e divulgadas em grupos criados por ele. A família relatou que, durante o período em que os abusos ocorreram, a menina apresentou queda no rendimento escolar.
A investigação conjunta da Polícia Civil de Rondônia e da Polícia Federal mostrou que a vítima apagava mensagens para tentar esconder dos pais o que acontecia, com medo das ameaças. Ainda foi revelado que o réu compartilhava material pornográfico infantil em grupos de WhatsApp, um deles chamado por ele de “grupo da escola”. No celular do acusado, foram encontrados centenas de arquivos de sexo explícito envolvendo menores. Em depoimento, ele admitiu ter baixado os conteúdos para uso pessoal.
A defesa tentou reverter a condenação, pedindo absolvição, desclassificação do crime e aplicação de pena alternativa. Mas, diante do volume de provas, os desembargadores Jorge Leal (presidente da 1ª Câmara Criminal), Osny Claro e Aldemir de Oliveira (relator do recurso de apelação criminal) negaram todos os pedidos.
Com relação ao caso, a decisão explica um ponto essencial: não é preciso contato físico para configurar estupro de vulnerável. A violação da dignidade sexual de uma criança ou adolescente, mesmo à distância e por meios digitais, já caracteriza o crime.
A decisão colegiada da 1ª Câmara Criminal do TJRO destacou que o crime estava consumado. “O conjunto probatório evidencia a intenção deliberada do réu em explorar sexualmente a menor, utilizando meios virtuais para perpetuar a violência e exercer domínio sobre a vítima”, diz o acórdão.
O caso reacende o debate sobre os riscos do ambiente virtual para crianças e adolescentes. Na última quarta-feira (17), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o chamado “ECA Digital”, projeto de lei que estabelece regras para proteger menores nas redes sociais. Entre as medidas estão:
- Vinculação obrigatória da conta de menores a um responsável legal
- Remoção de conteúdos abusivos direcionados a esse público
- Multas de até R$ 50 milhões em caso de descumprimento
- Suspensão de atividades para plataformas reincidentes
Para a psicóloga e neuropsicóloga Elizete Gonçalves, especialista em saúde pública com ênfase em violência doméstica contra crianças e adolescentes, o acesso dos pequenos ao mundo digital deve ser rigorosamente monitorado.
“Não é saudável que uma criança tenha celular. Se for inevitável, o adulto precisa instalar aplicativos de controle parental, limitar o tempo de uso e aprovar o conteúdo acessado. A responsabilidade é do adulto, não da criança no que ela consome ou não”, afirma.
A juíza Kerley Alcântara, titular da Vara de Proteção à Infância, reforça que o cuidado precisa começar antes do Judiciário.
“Quando chega ao tribunal, o fato já aconteceu, a infância já sofreu o trauma. O papel da família e da sociedade é impedir que crianças sejam expostas. Se a rede social exige 16 anos, por que uma criança de 10 vai criar um perfil? Se eu curto, compartilho ou até de só visualizar conteúdo de criança, o algoritmo vai me mostrar mais. O papel da sociedade é bloquear, denunciar e não pactuar com isso”, reforça.
Proteger a infância é uma urgência digital. O caso julgado em Rondônia deixa claro: a violência sexual contra crianças pode acontecer sem toque, sem presença física, e, mesmo assim, causar danos profundos.
A resposta judicial foi firme, mas o cuidado precisa começar antes que a tragédia aconteça. Famílias, escolas, plataformas digitais e a sociedade têm papel essencial na prevenção.
Viu ou suspeitou de violência contra crianças ou adolescentes? Disque 100.