A construção social de gênero como elemento estruturante da violência contra meninas e mulheres foi o foco central do evento promovido nesta quinta-feira (7/8) pelo Ministério Público de Rondônia (MPRO), dentro da campanha Agosto Lilás. A capacitação aconteceu na sede da instituição, em Porto Velho, com transmissão para outras unidades do estado, alcançando cerca de 350 pessoas da rede de atendimento a mulheres em situação de violência.
O evento foi organizado pelo Núcleo de Atendimento às Vítimas (Navit) e teve como palestrantes as Promotoras de Justiça Ivana Battaglin, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), e Érica Canuto de Oliveira, do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), ambas com ampla atuação no combate à violência de gênero.
Gênero como estrutura de desigualdade
Na palestra de abertura, intitulada “Direitos Humanos e Relações de Gênero”, Ivana Battaglin explicou como os papéis tradicionais de gênero, construídos socialmente, mantêm uma lógica de dominação masculina. Ela destacou que desde a infância, meninos e meninas são ensinados a ocupar funções diferentes — homens como provedores e protetores; mulheres como cuidadoras e subalternas.
Segundo a promotora, essa estrutura reforça comportamentos violentos e legitima o controle masculino sobre o corpo e a liberdade das mulheres. “Esses padrões são sustentados por instituições como a família, a escola e a mídia. Um agressor é um ser humano socializado para agir assim”, pontuou, propondo uma reflexão crítica sobre a origem do problema.
Battaglin também apresentou dados alarmantes: em média, quatro mulheres são mortas por dia no Brasil. Em 2024, cerca de 21 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de agressão, sendo que 90% dos casos não são denunciados. A maioria dessas vítimas são mulheres negras, o que reforça a necessidade de políticas públicas interseccionais.
A importância da escuta ativa e da proteção integral
Na sequência, Érica Canuto abordou a “Proteção integral à mulher em situação de violência”, destacando os avanços proporcionados pela Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), especialmente as medidas protetivas de urgência. Ela reforçou que o atendimento às vítimas deve considerar a desigualdade histórica entre homens e mulheres.
“É preciso compreender que essas mulheres não estão sendo agredidas por estranhos, mas por pessoas com quem mantêm laços afetivos e familiares. O atendimento não pode ser neutro: deve ser feito com escuta sensível, acolhimento e respeito à trajetória da vítima”, disse.
Érica também apresentou boas práticas no atendimento à mulher em situação de violência, alertando para a importância de se abordar questões cíveis, como guarda dos filhos, partilha de bens e ações de família, junto aos trâmites criminais.
“O Ministério Público é vocacionado à proteção das mulheres e atua desde os primeiros atendimentos até a fiscalização das políticas públicas”, reforçou.
Compromisso institucional
Na abertura do evento, o Procurador-Geral de Justiça, Alexandre Jésus de Queiroz Santiago, enfatizou o comprometimento do MPRO com a causa. “É uma questão que afeta toda a sociedade e precisa ser enfrentada com seriedade, por meio do conhecimento e da atuação coordenada da rede de apoio”, afirmou.
A promotora Tânia Garcia, coordenadora do Navit, ressaltou o impacto da capacitação no fortalecimento da Rede Lilás no estado. “É por meio da sensibilização que conseguimos olhar com mais atenção para cada mulher vítima de violência, em todas as fases do processo de enfrentamento”, completou.
Também participaram da atividade a Ouvidora do MPRO, Andréa Damacena Ferreira Engel; a coordenadora adjunta do Navit, Tâmera Padoin Marques Marin; a diretora da Escola Superior do MPRO, Edna Capelli de Oliveira, e representantes da sociedade civil e instituições parceiras.