O povo indígena Cinta Larga, que vive em mais de 60 aldeias entre Rondônia e Mato Grosso, enfrenta há décadas os impactos devastadores do garimpo ilegal em seu território. A extração de diamantes e ouro na região da Terra Indígena Roosevelt tem causado degradação ambiental, desestruturação social e facilitado o avanço de facções criminosas.
Agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para uma ação inédita: ouvir os próprios indígenas dentro das aldeias, por meio de uma escuta coletiva prevista para ocorrer até setembro de 2025. A medida é parte de um processo que discute se é permitido explorar minérios no entorno da terra indígena — e pode estabelecer um precedente histórico para os direitos dos povos originários.
Durante encontros realizados nesta semana em Porto Velho, os Cinta Larga definiram que a escuta precisa ser ampla e respeitar sua organização interna. O Ministério Público Federal apoiou a decisão, reforçando que a comunidade deve ser protagonista na definição do formato da consulta.
“Os problemas enfrentados pelo povo Cinta Larga ainda são os mesmos denunciados em 2005. Pouco se avançou na efetivação de direitos”, afirmou Caroline Helpa, procuradora da República. Ela destacou ainda que muitas áreas indígenas continuam sem demarcação e que a proteção legal nem sempre se traduz em segurança.
O processo, relatado atualmente pelo ministro Flávio Dino, se originou de uma decisão da Justiça Federal em Rondônia que cancelou autorizações de pesquisa e lavra mineral. Posteriormente, o TRF1 ampliou a proibição para um raio de 10 km ao redor da Terra Indígena Roosevelt. Em 2023, o então relator Luís Roberto Barroso também negou recurso da Agência Nacional de Mineração.
O procurador Reginaldo Trindade, autor da ação em 2005, denunciou os efeitos da omissão do Estado:
“Vi garimpeiro casando com indígena adolescente ou anciã só para ter acesso ao garimpo. Armas, drogas, álcool, falsos pastores… tudo que é destrutivo chega à aldeia. E quem lucra com isso é o crime organizado.”
Participaram das reuniões representantes do STF, Funai, Sesai, Ministério de Minas e Energia, Casa Civil, Apib, Governo de Rondônia, Defensoria Pública, Polícia Federal, Ibram, além do Ministério Público Estadual e da Comissão Arns.
A discussão vai além das regras sobre mineração. Trata-se de um modelo de ocupação que marginaliza os povos originários e ignora os impactos sobre seus territórios e modos de vida.