O debate sobre a precarização do trabalho no jornalismo e na comunicação ganha destaque, especialmente com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode legalizar a chamada pejotização. Especialistas alertam que essa prática, onde empresas contratam profissionais como Pessoas Jurídicas (PJ) para evitar vínculos empregatícios formais e obrigações da CLT, deteriora as condições de trabalho.
A Pejotização como Fraude Trabalhista no Jornalismo
Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), classificou a pejotização como uma “fraude trabalhista irrestrita” no setor da comunicação. Segundo ela, grandes, pequenas e médias empresas se valem desse modelo para aumentar lucros, explorando a mão de obra dos profissionais. A prática não é nova, tendo começado na década de 1980 com modelos como “frila fixo” e sócio-cotista, mas se intensificou.
Dados da Receita Federal, apurados em 3 de junho de 2025, mostram 33.252 empresas com CNPJ registradas como Microempreendedor Individual (MEI) em atividades ligadas à edição de jornais e revistas. Samira denuncia que esse número, quase igual ao de jornalistas com carteira assinada, evidencia a fraude, já que os sindicatos recebem denúncias diárias de tentativas de mascarar o vínculo formal. A presidente da Fenaj lamenta que as decisões do STF sobre o tema representem um “grande golpe para a classe trabalhadora e contra os jornalistas”, dificultando o reconhecimento de direitos trabalhistas na Justiça.
Em contraste, o número de vagas formais no setor tem caído drasticamente, com uma redução de 18% nos empregos CLT em uma década. Em 2013, havia 60.899 jornalistas com carteira assinada no Brasil; em 2023, esse número caiu para 40.917, conforme dados do Dieese compilados a partir da RAIS e do CAGED.
Conscientização de Classe e Luta Coletiva
O jurista Jorge Souto Maior, professor de direito do trabalho da USP e desembargador aposentado do TRT da 15ª Região, analisou que a facilitação da pejotização no setor da comunicação se deve, em parte, ao pequeno número de empregadores, que conseguem formar uma espécie de “cartel”. Para ele, a única forma de combater essa situação é por meio da ação coletiva e da conscientização dos trabalhadores.
Souto Maior criticou a visão de que jornalistas são apenas “empreendedores” ou “trabalhadores intelectuais”, enfatizando que, como trabalhadores, são explorados e precisam lutar por melhores condições. Samira de Castro reforçou que o “discurso sedutor do eu empreendedor” não se aplica ao jornalista, que está subordinado a um veículo e sua linha editorial, sofrendo inclusive com o impacto psíquico. Ambos defenderam a sindicalização, a greve e a organização política como classe para resolver os problemas de precarização.
Tecnologia, Apropriação e o Papel da Inteligência Artificial
A professora Roseli Figaro, da USP, especialista em comunicação, trabalho e plataformas digitais, destacou que a reconfiguração do mundo do trabalho pelas Big Techs elevou a precarização a novos patamares. Segundo ela, essas grandes empresas controlam não apenas o fluxo informacional, mas também as ferramentas que sustentam diversas profissões, incluindo a dos profissionais da comunicação.
Figaro pontuou que o capitalismo informacional subordinou as empresas de comunicação tradicionais às gigantes da tecnologia. Ela questionou a apropriação da propriedade intelectual no jornalismo online, onde a monetização não se dá mais apenas pelos cliques em links. “Agora, as notícias são apropriadas e sintetizadas como texto da própria inteligência artificial do Google, a Gemini, por exemplo. Mesmo citando a fonte, ninguém sequer precisa abrir o link, como se fazia antes. O que é isso senão a apropriação da propriedade intelectual do outro?”, indagou. A professora salientou que a inteligência artificial generativa é um tema crucial que precisa de regulação governamental.