Durante o processo de diagnóstico de autismo vivido por muitas famílias, é comum surgir o momento em que se investiga — ou confirma — que um dos membros está no espectro do autismo, com diferentes níveis de intensidade. Embora o termo “grau” de autismo ainda seja amplamente utilizado para se referir a essas variações (leve, moderado ou severo), ele serve apenas como uma simplificação. A forma mais precisa, segundo os manuais clínicos, é falar em níveis de suporte necessários para cada pessoa.
Graus de autismo ou níveis de suporte?
Com o passar dos anos, importantes publicações como o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), da Associação Americana de Psiquiatria, e a CID (Classificação Internacional de Doenças), da OMS, passaram por diversas atualizações — inclusive na forma de classificar e nomear os critérios diagnósticos para o autismo. Atualmente, o diagnóstico é definido com base no nível de suporte que o indivíduo necessita no dia a dia.
“Para diagnosticar uma pessoa com qualquer distúrbio ou transtorno, precisamos ter certos critérios estabelecidos. Para que a gente precisa de um critério diagnóstico? Por muitos aspectos, a comunicação entre as diferentes áreas é o primeiro deles. Então, quando eu falo para uma fonoaudióloga que eu tenho um paciente autista, ela vai ter a mesma definição do autismo que eu, que sou psicóloga, ou do médico, do psiquiatra, e assim em diante”, explica Lívia Bomfim (CRP 06/133549), Psicóloga e Gerente de Produto da Genial Care, rede de cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias.
O que significam os níveis de suporte no autismo?
“Terminologias como “autista leve, autista moderado e autista severo”, embora hoje tenham caído em desuso e sejam questionadas e criticadas por muitos especialistas em TEA e ativistas da causa do autismo, ainda acabam sendo bastante usados”, ressalta Lívia Eles podem ser descritos da seguinte forma:
Nível 1 (autismo leve): a pessoa neste nível apresenta dificuldades sutis, mas que impactam a vida cotidiana, especialmente em situações sociais. Pode ter dificuldade em iniciar ou manter interações, demonstrar rigidez em comportamentos ou interesses e apresentar certa resistência a mudanças. Com apoio adequado, consegue maior autonomia e a linguagem funcional geralmente é preservada.
Nível 2 (autismo moderado): indivíduos neste nível têm desafios mais evidentes na comunicação verbal e não verbal, além de padrões comportamentais repetitivos mais intensos. A interação social pode ser limitada ou atípica, mesmo com suporte. As dificuldades são mais perceptíveis e exigem intervenções mais estruturadas. No critério diagnóstico, podem apresentar deficiência intelectual e linguagem funcional prejudicada.
Nível 3 (autismo severo): os desafios são mais significativos. A pessoa pode ter limitações graves na comunicação e nas interações sociais, além de comportamentos repetitivos intensos que interferem na rotina. Além disso, podem apresentar deficiência intelectual e ausência da linguagem funcional.
A definição em “níveis de autismo” é adequada?
Segundo a psicóloga da Genial Care, parte da comunidade do autismo e de pessoas autistas considera que a atual classificação por níveis não representa adequadamente a condição. Para esses grupos, esse modelo é visto como ultrapassado e impreciso, já que não contempla a complexidade e a diversidade das vivências no espectro.
“O termo pode carregar conotações que atualmente e, felizmente, têm sido criticadas, como conotações capacitistas. Então, tem toda uma frente de ativismo dentro do mundo do autismo para quebrar essa noção de que um é “melhor” do que o outro, de que um é mais funcional do que o outro”, comenta Lívia.
Como explica a especialista, uma pessoa no espectro pode precisar de suporte em aspectos da comunicação, mas não apresentar dificuldades comportamentais. Por outro lado, outra pessoa pode se comunicar com facilidade, mas manifestar comportamentos repetitivos e interesses restritos. “Dizer que uma pessoa é nível um, dois ou três é muito inflexível dentro das tantas variações que o autismo pode acarretar. Além da questão do capacitismo, na qual o grau um é considerado o mais ‘funcional’, no grau dois, a pessoa já é menos funcional e grau três, ela não é nem um pouco funcional e é um problema”.
Atualmente, especialistas não enxergam o diagnóstico de autismo como uma limitação, mas sim como parte da diversidade do desenvolvimento humano. Por isso, independentemente do nível de suporte necessário, é fundamental que as famílias vejam as pessoas autistas como indivíduos com potencial e múltiplas possibilidades.
O investimento em terapias baseadas em evidências científicas é essencial para apoiar o desenvolvimento das crianças, independentemente do diagnóstico. Além disso, a participação ativa dos pais e a estimulação em casa são fatores decisivos para ampliar os resultados das intervenções.
“Pessoas com autismo são seres humanos variados e fluidos. O que elas precisam de tipos de suportes diferentes dentro das diferentes habilidades que ela executam. Essa noção enrijecida e determinista de que ou é um e outro é outro, é incorreta. É uma noção importante para os pais desenvolverem”, conclui a psicóloga e Gerente de Produto da Genial Care.