A fenomenologia cosmopolita de ser-no-mundo encontra na perspectiva cotidiana de “Ser e Tempo” um entranhamento mavioso e natural de um pertencimento mútuo que entrelaça o homem aos seus modos de vida, e que ontologicamente o ser do ente vai transcendentalmente apreendendo todas as atividades existenciais do espaço vivido.
Esse heterotópico pertencimento de uma visão holística de mundo, se estende de forma singular e plural, construindo e reconstruindo as pirâmides interculturais de enraizamentos material e imaterial que na volúpia prodigiosa dos sentidos vai lapidando e modificando a condição humana através da sua peculiar ocupação existencial. Segundo a pesquisadora e filósofa, Lígia Saramago, a ocupação humana no trabalho, leva, portanto, às configurações de regiões e lugares do entorno do mundo, bem como à sua rede de encontro, basicamente ao tornar presentes para nós aquilo que está ao alcance direto das mãos: as coisas, instrumentos e utensílios que nos cercam cotidianamente.
Essa empatia desmesurada da cotidianidade entre as relações estetizantes do homem com a terra, em vez de provocar um epistemicídio cultural, vai abrindo caminhos de cooperação e integração, entranhando as coletividades do lugar na construção de um mundo mais justo e tolerante para todos. Para Eduardo Marandola – geógrafo e professor da Unicamp – o lugar enquanto circunstancialidade abre a possibilidade de pensar seu sentido mais essencial, ligado à mundanidade do mundo cotidiano.
É justamente esse mundo vivido proposto por Marandola, que o escritor português Boaventura de Souza Santos, propõe uma hermenêutica diatópica de uma concepção multicultural de direitos humanos, que se baseia na ideia de uma cultura que por mais forte que seja, continua viva de incompletude, e carente de novos olhares que aceitem e abracem outras culturas diferentes.
Segundo Boaventura, o objetivo da hermenêutica diatópica, não é, porém, atingir a completude, mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência da incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura, e outro noutra. Para ele, nisto reside o seu caráter diatópico.