Por Emerson Barbosa
No Norte do Brasil, Porto Velho tem tudo para se transformar em uma das capitais mais atrativas e evoluídas. Berço da economia de Rondônia, a história da cidade traduz o surgimento de todo um estado pela construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM). O empreendimento milionário surgiu de um acordo para colocar fim à guerra travada entre 'retirantes' brasileiros e a Bolívia, na tomada do que hoje é o estado do Acre. Pouco mais de um século, a cidade que já foi habitada por um mundo de estrangeiros da qual o idioma oficial era o inglês, caminha sob um aspecto do qual foge da estrutura que já contemplou no seu início.
Neste cenário de alegrias e revoltas vive um povo que praticamente tem cansado de esperar por promessas eleitoreiras.
“A gente lamenta que muitas vezes não é como esperamos. Uma cidade sem história é uma cidade sem memória. Uma cidade sem história é uma cidade sem identidade”. A frase tornou-se célebre e imortal nas palavras do historiador, falecido em 2021, de Covid-19, Anísio Gorayeb.
As zonas Sul e Leste de Porto Velho formam os maiores corredores populacionais. É também nessas regiões que se concentram os grandes problemas relacionados com a ausência dos serviços de saneamento básico. O investimento zero no setor pelos munícipes revela um prejuízo mortal.
A indignação projeta-se como munição nas palavras de uma gente que cansou de promessas. “Não temos nenhum olhar do prefeito. Estamos esquecidos de saneamento, asfalto, seja o que for. Somos esquecidos”.
Percorrer bairros nessas regiões é se deparar com cenas vexatórias e humilhantes para um município apontado como a 3ª maior economia da Região Norte. Na rua, Aquiles Paraguaçu, no bairro Cidade do Lobo, uma canalização rompida da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd), há pouco mais de 20 anos é a única fonte de água potável dos moradores. Durante o dia, o movimento de carros, motos e bicicletas é intenso.
Aqui, pessoas com latas d'água recordam imagens vistas somente em extremos do Nordeste onde muitos nordestinos ainda convivem com resquícios da seca. Nos horários de pico, tem até fila. A realidade é um filme na mente de quem passou a missão para os filhos. “Eu fiz isso para os meus pais, agora é meu filho”, relata o morador que prefere não se mostrar.
Juntas, as zonas Sul e Leste concentram uma população que ultrapassa os 200 mil habitantes. Nestes setores, a água utilizada para os afazeres domésticos, como lavar a roupa ou até mesmo beber, vem de poços cavados nos quintais. Mas a cultura amazônica apresenta uma realidade sombria diante de um estado dono de uma das maiores bacias hidrográficas da Amazônia.
A água consumida pelos moradores é extraída, justamente de um lençol freático que está contaminado. A comprovação foi feita por análise de técnicos da Secretaria de Estado do Desenvolvimento (Sedam) há sete anos. O sentimento de esperança foi substituído por revolta.
“Sinceramente, de raiva. Não tem respeito pelo povo de Porto Velho. Zona Sul e Leste, pelo amor de Deus, só há reclamação”, diz a moradora Antônia Perez.
Pesquisa revela que nada evoluiu
Na trincheira, o Trata Brasil revelou índices inaceitáveis. Nesta quinta, 30, o Instituto trouxe os dados anuais do saneamento básico brasileiro. O estudo revela aspectos na área nas 100 maiores cidades. Na peneira, o índice destacou os indicadores das 20 piores cidades com a menor taxa dos serviços básicos oferecidos (ou que deveriam ser ofertados) para a população. Historicamente, nenhuma delas, segundo a pesquisa, evoluiu.
“Entre as cidades com desempenho negativo no ranking, figuram oito municípios da região Norte, sendo esses: Macapá (AP), Marabá (PA), Porto Velho (RO), Santarém (PA), Belém (PA), Rio Branco (AC), Ananindeua (PA) e Manaus (AM)”.
As 20 piores cidades pelos indicadores dos serviços básicos, o Trata Brasil apresenta: Macapá (AP) com 36,60%, Ananindeua (PA) com 33,79%, Marabá (PA) com 32,89% e Porto Velho (RO) com 26,05%. As cidades, segundo o Instituto, contemplam pontuações de atendimento de água tratada inferiores a 50%. A média do grupo foi de 79,59%, se aproximando da média nacional de 84,2%. O mais assustador é que todos os municípios que ocupam a posição são da Região Norte.
Coleta de esgoto é outro aspecto que despenca. Nenhum dos 20 municípios analisados conquistou ou se aproximou dos 90%, que seria o ideal. E cabe a eles estabelecer uma melhoria até 2033, como exige a lei, ou seja, daqui a dez anos, o que só ocorrerá por um milagre ou força de vontade dos prefeitos.
Índices apocalípticos
O município de Marabá no estado do Pará é o que podemos associar com resultados apocalípticos. Com 0,73%, o município paraense estacionou na pior faixa histórica entre os seus pares.
fonto: Dhárcules Pinheiro
Nada é tão ruim que os dados apresentados pelas cidades de, 29,25% perdendo até para o valor nacional, de 55,8%.
Tratamento de esgoto: Porto Velho é nota zero e trava uma luta consigo mesmo
No quesito cuidado do esgoto que deveria ser tratado antes de seguir para os rios e igarapés, Porto Velho trava uma luta consigo mesmo. Obteve nota ‘zero’.
Quanto a isso, o Brasil faz escola. A pesquisa mostra que “cinco municípios tratam menos de 10% do esgoto coletado: dois municípios do Rio de Janeiro e outros três do Norte do país: Santarém (PA) com 9,50%, Belém (PA) com 3,63%, e Marabá (PA) com 2,62%. A média do indicador entre os 20 destaques negativos foi de 18,21%, menos da metade da média nacional de 51,2%”.
Com 77,21%, água que não chega na casa dos moradores das zonas Leste e Sul, a pesquisa concluiu que fica pelo caminho resultando em desperdício. Na dianteira vem a capital Macapá no Amapá com 76,13%. As cidades mantêm dados que superam a média nacional de 40,3%.
Foto: Tânia Rêgo Agência Brasil
O Instituto concluiu o resultado da sua pesquisa: “caso houvesse a eficiência no controle de perdas, todo esse volume desperdiçado poderia fazer com que, ambos os municípios tivessem o acesso ao abastecimento de água universalizado”.