O século XIX marcou profundamente a província imperial cearense, principalmente quando falamos dos grandes períodos de estiagem ou a seca propriamente dita.
Na indissociabilidade do binômio seca – migração, Maria Verônica Secreto nos diz que durante a seca de 1887-1879, a cidade de Fortaleza recebeu cerca de 114 mil retirantes, e o repórter Herbert Smith, que estava no Ceará cobrindo a seca para a Scribner’s Magazine, registrou que durante a seca, 500 mil sertanejos haviam morrido de varíola e fome.
Durante a Batalha da Borracha, Verônica Secreto nos diz que as estatísticas da morte nunca são muito precisas, mas podem nos dar uma ideia da magnitude da tragédia humana. Segundo a mesma autora, de aproximadamente 50 mil soldados da borracha – entre trabalhadores e dependentes – que vieram para a Amazônia entre 1943 e 1944, estima-se que quase a metade morreu ou desapareceu.
Soldados da borracha recrutados pelo SEMTA – Fonte – Museu de Arte da UFC (MAUC). Fotografa Aba-film. Fortaleza (CE). (1943)
Observemos que a luta dos migrantes pela posse de um pedaço de terra, almejando viver com dignidade na Amazônia, passou pelo menos por duas relevantes fases de processo migratório, deixando durante esses dois períodos históricos, visíveis rastros de resistência e morte.
Mas não parou por aí. Os remanescentes seringueiros dos dois grandes surtos da borracha na Amazônia, durante as décadas de 1970 e 1980, partiram para o que eles chamaram de “empate”, para poder assegurar a sobrevivência de suas famílias e a sobrevivência dos seringais nativos.
Aqui tem gente – História Social da Borracha: Seringueiros do Acre Carlos Carvalho, 2005
O “empate” consistia na resistência seringueira e no enfrentamento dessas populações tradicionais na luta pela preservação do lugar – principalmente na Amazônia Sul – Ocidental Brasileira – contra jagunços fortemente armados, contratados por grandes latifundiários que insistiam na destruição dos seringais nativos da região em benefício do crescimento avassalador da pecuária extensiva.
A pertinácia pela Terra Mátria parecia não acabar. Desta feita milhares de famílias seringueiras, sobreviventes da guerra contra os jagunços, migram para os seringais do Departamento de Pando na Bolívia, procurando alojar –se num espaço que lhe oferecesse um novo lugar.
No início do século XXI e na hostilização reacionária de uma republica xenófoba, as coletividades brasileiras da floresta pandina são escorraçadas dos seus seringais e ficam abandonadas no Brasil à revelia de um Estado moroso e negligente.
A Organização Internacional para Migrações – OIM/ONU sela um convênio com o Governo Brasileiro para coordenar as ações de assentamento das famílias ribeirinhas em território nacional. Um dos assentamentos coordenados pela OIM em parceria com o INCRA e Ministério das Relações Exteriores, fica localizado no Município de Bujari no Estado do Acre. É neste assentamento, denominado Wálter Arce, onde estão assentadas parte das famílias que foram expulsas do rio Mamu.
Santana, F. M. Gepcultura. Assentamento Wálter Arce. Bujari/Acre. 2017
A última vez que estivemos nesse assentamento para fazer uma visita às famílias assentadas foi no ano passado. Era grande a alegria das famílias por terem enfim, encontrado a Terra Mátria.
Marquelino Santana é doutor em geografia e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir.