O Palmeiras encerrou o mês de agosto com R$ 33 milhões em prejuízo. Dito de outra maneira, isso quer dizer que as receitas – tudo o que o clube arrecadou nos primeiros oito meses do ano – foram menores do que as despesas. A conta não fechou. É o fim da época dos porcos gordos, os tempos de crise financeira voltaram? Precisamos olhar para as contas alviverdes com um pouco mais de cuidado para evitar alarmismos, mas alertar para os riscos existentes.
O problema de analisar finanças olhando só para a linha do resultado líquido, a que aponta o deficit de R$ 33 milhões no período de janeiro a agosto, é que esta rubrica raramente conta a história inteira. A começar pela diferença entre o caixa (aquilo que entra e sai efetivamente da conta bancária) e as demonstrações contábeis (afetadas por registros importantes do ponto de vista da contabilidade, nem tanto na prática).
A diretoria do Palmeiras deu as seguintes explicações para este prejuízo contabilizado nesta parcial.
Dos R$ 33 milhões…
R$ 10 milhões correspondem a processos trabalhistas e cíveis. O Palmeiras fez acordos, sendo o maior deles envolvendo o ex-jogador Lincoln. O reconhecimento desta dívida precisa ser incluído como despesa, mas ela não precisou ser paga durante este período. Esta é a diferença mais clara entre efeito caixa e registro contábil;
R$ 3 milhões correspondem a variação cambial. Isso aconteceu porque o Palmeiras fez contratações em moeda estrangeira enquanto a moeda brasileira, o real, estava em determinada cotação. Na hora de pagar, o real se desvalorizou em relação às moedas estrangeiras, e o clube precisou desembolsar mais do que previa;
R$ 2 milhões correspondem a despesas financeiras em remessas de recursos para o exterior para a aquisição de jogadores. Sobretudo em taxas como IOF (imposto sobre operações financeiras);
R$ 3 milhões correspondem a patrocínios incentivados que ficaram abaixo do orçado. O mecanismo é a Lei de Incentivo ao Esporte, um programa federal que dá benefícios a empresas que patrocinam determinados projetos. O Palmeiras esperava arrecadar mais do que efetivamente conseguiu, e isso o atrapalhou;
R$ 9 milhões correspondem a direitos internacionais e de placas na beira do campo, receitas que tinham sido orçadas, mas não foram realizadas. Um problema comum a outros clubes da primeira divisão;
R$ 6 milhões correspondem a bilheterias abaixo do orçado. O Palmeiras arrecadou menos dinheiro do que esperava com a venda de ingressos, principalmente porque teve uma média de público menor do que contava e também porque jogou certas partidas no Pacaembu, onde a renda líquida é inferior à obtida no Allianz Parque.
Ok, mas que diferença faz?
O detalhamento do prejuízo do Palmeiras entre janeiro e agosto é importante por dois motivos. Em primeiro lugar, uma parte importante dele – o reconhecimento de dívidas – tem uma importância meramente contábil e não representou despesas reais durante o período avaliado.
Em segundo, o clube realmente saiu prejudicado em relação ao que tinha previsto em seu orçamento em determinados itens – variação cambial e despesas financeiras acima do planejado, receitas com patrocínios, direitos internacionais, placas e bilheterias abaixo.
Ao mesmo tempo em que este quadro alerta para problemas financeiros, pois o Palmeiras precisará encontrar receitas em outro lugar nos meses restantes para fechar a conta, o torcedor pode se tranquilizar em relação à gravidade da situação. Que ainda é baixa.
Os sinas mais claros de que o clube continua saudável está no cotidiano. Salários têm sido pagos em dia, certidões negativas de débito (que atestam não haver impostos atrasados) estão em ordem, e não há protestos em relação a dívidas sem acordo. A casa está em ordem.
E as dívidas?
O balancete do Palmeiras que contabiliza valores de janeiro a agosto também contém a atualização de ativos (tudo o que o clube possui) e passivos (tudo o que deve). Este é mais um ponto que precisa ser analisado com cuidado porque está carregado de motivos para falso alarmismo, mas também possui pontos de atenção a salientar.
Em agosto, o Palmeiras chegou a R$ 576 milhões em dívidas. Se o torcedor sonhava com a possibilidade de ver endividamento zero no clube, um número como este pode assustar. Mas a verdade é que nenhuma agremiação – ou empresa – deste tamanho jamais chegará à dívida zero. Isso não importa. O mais relevante por aqui é entender o perfil deste passivo para saber onde estão os principais riscos.
No gráfico acima, dívidas operacionais são aquelas que têm a ver com o cotidiano. O Palmeiras encerrou o mês de agosto com salários, direitos de imagem e fornecedores a pagar no mês seguinte, portanto tinha compromissos com essas pessoas. Elas precisam ser pagas logo, logo.
O empréstimo de R$ 5 milhões com o Itaú é, na verdade, uma conta garantida. Uma espécie de cheque especial que clubes de futebol têm em determinadas instituições financeiras. Quando falta grana para pagar tal despesa, usa-se esta conta. Na prática funciona para acertar o fluxo de caixa. Dívida que também poderia ser considerada operacional.
Essas são as dívidas de curto prazo, aquelas que precisarão ser pagas pelo Palmeiras em prazo inferior a um ano – em determinados casos pode ser o mês seguinte, como salários, em outros o prazo pode se estender até agosto de 2020. Não parecem problemáticas.
Para um clube que faturou mais de R$ 400 milhões nos oito meses avaliados, as dívidas operacionais não parecem ser grande problema.
Contas a pagar (no caso do gráfico acima), empréstimos feitos pela Crefisa e impostos parcelados são todas dívidas de longo prazo – com vencimento posterior a setembro de 2020. Não são compromissos que devam preocupar exageradamente a diretoria ou o torcedor alviverdes.
Dívidas judicializadas – reconhecidas nos balancetes como "provisões para contingências" – são aquelas que o Palmeiras acredita que precisará pagar na Justiça, mas ainda não possui decisão final ou prazo fixado para o pagamento. Geralmente são ex-jogadores que processam por salários não pagos no passado. Também serão cobradas apenas no longo prazo.
Dívidas de longo prazo não são urgentes. O que o torcedor precisa se preocupar, mesmo, é com a compra de jogadores que vence logo ali.
O Palmeiras vive uma situação próxima à do Flamengo nesse sentido. O seu endividamento como um todo tem aumentado, porém por um bom motivo. Toda vez que esses clubes vão ao mercado comprar os direitos federativos e econômicos de novos jogadores, fazem dívidas (no sentido mais literal da palavra) com outros clubes e também agentes.
No balancete de agosto, havia R$ 147 milhões em títulos a pagar a outras agremiações e em comissões para intermediários – dos quais R$ 110 milhões vencem no curto prazo e R$ 37 milhões no longo prazo.
O Palmeiras possui quase R$ 62 milhões a receber por jogadores vendidos, então este número também precisa ser considerado. Existe a possibilidade de levar calote de algum dos compradores, é verdade, mas não deixa de ser positivo saber que há dinheiro para entrar.
A questão é que existe uma diferença relevante entre valores a receber e a pagar por compra e venda de jogadores, e aí está o ponto que merece mais atenção dos torcedores. Uma vez que o Palmeiras tomou a decisão de não vender tantos jogadores quanto poderia na janela de transferências, para aumentar a chance de vitórias e títulos, passa a existir o risco de não fechar a conta no fim do ano.
Só existem dois caminhos deste ponto em diante. Ou a diretoria capitaneada por Maurício Galiotte encontra novas receitas – para amenizar bilheterias e outras fontes que estão abaixo do orçado –, ou é possível que o Palmeiras precise de empréstimos bancários ou outro tipo de dívida para fechar a temporada de 2019 com as contas pagas.
Este foi o risco assumido em nome da busca por títulos. Copa do Brasil e Libertadores ficaram pra trás, inclusive tendo acarretado parte das dificuldades financeiras presentes neste balancete até agosto, mas ainda há o Campeonato Brasileiro em aberto. Os próximos meses vão dizer se a direção do Palmeiras fez as escolhas certas.