O número de diagnósticos de câncer em jovens adultos de até 50 anos aumentou 284% no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2013 e 2024, saltando de 45,5 mil para 174,9 mil registros, segundo levantamento do DataSUS. O crescimento preocupa especialistas e revela mudanças no perfil da doença no país.
A operadora de caixa Jaqueline Chagas, de 46 anos, descobriu um câncer de mama após sete anos ouvindo que o nódulo no seio era benigno. “Dava para sentir o nódulo no abraço”, relembra. O diagnóstico veio apenas após uma mamografia de urgência. “A médica olhou para a colega e disse: ‘Mais uma jovem com câncer de mama, essa é a terceira hoje’. Foi assim que descobri.”
Câncer de mama lidera entre os casos em jovens
O câncer de mama é o tipo mais frequente entre mulheres com menos de 50 anos, com alta de 45% no período e mais de 22 mil novos casos anuais registrados no SUS.
O diagnóstico precoce de Jaqueline revelou um carcinoma grau 3 localmente avançado. Foram oito sessões de quimioterapia, uma mastectomia radical e complicações graves, como neutropenia e sepse. “Disseram ao meu marido que eu tinha poucos dias de vida. Achei que não veria mais minha casa. Depois de uma semana, os leucócitos começaram a reagir”, conta.
Brasil enfrenta lacuna de dados sobre câncer
Segundo o oncologista Stephen Stefani, do grupo Oncoclínicas, o país ainda subestima a dimensão real do problema. “Na saúde suplementar, a notificação não é compulsória. Então o país subestima a real dimensão do problema.”
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) confirmou que não é possível medir a incidência de câncer na rede privada porque, desde 2010, uma decisão judicial impede o uso da Classificação Internacional de Doenças (CID) nas bases das operadoras.
Com 75% da população atendida pelo SUS, os especialistas defendem uma integração de dados para aprimorar políticas públicas e estratégias de rastreamento precoce.
Câncer colorretal também dispara entre jovens
Entre os tumores que mais crescem, o câncer colorretal — que afeta cólon, reto e canal anal — teve aumento de 160% entre 2013 e 2024.
“É uma doença de estilo de vida. Só 5% dos casos são hereditários; mais de 90% têm relação com alimentação, sedentarismo e obesidade”, explica Samuel Aguiar, diretor do programa de residência médica do A.C.Camargo Cancer Center.
Segundo ele, muitos pacientes jovens são diagnosticados em estágios avançados porque os sintomas são confundidos com hemorroidas ou alterações intestinais leves. “Falta cultura de prevenção nessa faixa etária”, alerta.
Novo perfil e causas do aumento
Os médicos apontam uma mudança geracional no padrão de risco. Antes, o câncer era mais comum em idosos e ligado ao tabagismo e à exposição ocupacional. Hoje, os fatores predominantes são dieta industrializada, estresse, sobrepeso e noites mal dormidas.
“A obesidade funciona como um órgão inflamatório, produzindo substâncias que desregulam hormônios e estimulam o crescimento de células defeituosas”, explica Stefani. O resultado é um organismo permanentemente inflamado, mais vulnerável a mutações genéticas.
Prevenção e diagnóstico precoce
A médica nuclear Sumara Abdo, do Instituto Nacional do Câncer (INCA), destaca que o sistema ainda não está preparado para detectar precocemente câncer em jovens adultos.
“Os protocolos de rastreamento ainda são voltados para pessoas acima dos 50 anos. Mas a realidade mudou. Já temos evidências de que tumores como o de mama e o colorretal vêm aumentando muito antes dessa idade”, afirma.
Para reduzir o risco, os especialistas recomendam:
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Alimentação rica em fibras, frutas e vegetais
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Menos ultraprocessados e bebidas alcoólicas
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Prática regular de atividade física
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Exames de imagem e endoscópicos conforme orientação médica
“Precisamos parar de associar o câncer a idosos. O corpo fala, e o diagnóstico precoce salva vidas”, conclui Sumara.