A descoberta dos mecanismos da tolerância imune periférica, que rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2025, foi um marco que revolucionou a oncologia. O trabalho premiado — de Shimon Sakaguchi, Mary Brunkow e Fred Ramsdell — ajudou a explicar o papel das células T reguladoras (Tregs), que atuam como o “freio” do sistema imunológico.
Essas células são essenciais para evitar que o corpo se ataque (autoimunidade). No entanto, em um contexto de câncer, essa mesma função de freio é sequestrada:
- Tumores recrutam as Tregs para “silenciar” as células de defesa, permitindo que o câncer se esconda da vigilância imunológica, explica Stephen Stefani, oncologista do Grupo Oncoclínicas.
- “É como se o inimigo sequestrasse o comando central da defesa”, complementa o especialista.
Segundo Cristina Bonorino, coordenadora do Laboratório de Imunoterapia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, essa descoberta mostrou “de forma detalhada como os tumores conseguem se perpetuar, ludibriando o sistema imunológico para não serem atacados”.
Imunoterapia de Ponta Nascida do Conceito
O entendimento de que o câncer se protege ativando os “freios” do sistema imune inspirou uma nova geração de terapias: a imunoterapia moderna.
Medicamentos como os inibidores de checkpoint (anti-PD-1 e anti-CTLA-4) atuam justamente liberando esse freio. Ao bloquear as vias usadas pelas Tregs, eles permitem que os linfócitos T ataquem o tumor de forma eficaz.
A descoberta das Tregs permite o desenvolvimento de terapias ainda mais precisas, focadas em restaurar o equilíbrio imunológico. O oncologista Daniel Vargas, do Instituto Vencer o Câncer, destaca que essa pesquisa abriu o caminho para a era da imunoterapia, que “continua evoluindo em direção a terapias mais personalizadas”.
Novas Terapias em Teste
Atualmente, há diversos ensaios clínicos em andamento que buscam modular diretamente as Tregs dentro dos tumores para potencializar o efeito das imunoterapias já aprovadas.
Entre as novas abordagens, destacam-se:
- Fármacos como mogamulizumabe, que tenta eliminar as Tregs dentro do microambiente tumoral.
- Pesquisas com versões modificadas da interleucina-2, para estimular as Tregs de forma controlada em doenças autoimunes.
Stephen Stefani conclui que o desafio da oncologia de precisão é o “equilíbrio fino”: “Manipular o sistema imune é um equilíbrio fino: se o sistema fica frouxo, o câncer progride; se é liberado demais, o corpo pode atacar a si mesmo.”