O governo dos Estados Unidos deve anunciar que o uso de paracetamol, conhecido como Tylenol, durante a gravidez poderia estar ligado ao aumento de diagnósticos de autismo em crianças. A possibilidade foi antecipada pelo presidente Donald Trump, que prometeu uma “revelação incrível” sobre o tema e afirmou que “o autismo está totalmente fora de controle”. A declaração, feita poucos dias antes do anúncio oficial previsto para 22 de setembro, já provocou forte reação de especialistas em saúde.
Segundo a imprensa americana, o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. vai recomendar que mulheres grávidas tomem o analgésico apenas em casos de febre alta. Febres não tratadas, alertam médicos, podem causar complicações tanto para a mãe quanto para o bebê em desenvolvimento. Mas a proposta de limitar o uso do paracetamol gerou preocupação, já que o medicamento é considerado, em todo o mundo, uma das poucas opções seguras para gestantes.
O paracetamol, vendido nos Estados Unidos com o nome Tylenol, é um dos analgésicos e antitérmicos mais utilizados do planeta. No Brasil, é encontrado em várias marcas e inclusive em versões para bebês e crianças. Por décadas, grandes entidades médicas e órgãos de saúde o recomendaram como primeira escolha para o controle de dor e febre durante a gestação. Recentemente, questões sobre o uso do Tylenol durante a gravidez têm gerado discussões importantes.
O impacto do uso de Tylenol na saúde fetal
O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) reforça que não há evidências de que o uso prudente de paracetamol cause problemas de desenvolvimento fetal. A entidade lembra que, até o momento, os estudos disponíveis não comprovam relação direta entre o medicamento e o autismo. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) também aponta o paracetamol como a primeira opção de analgésico para grávidas, afirmando que seu uso correto não prejudica o bebê.
A fabricante do Tylenol, Kenvue, declarou em nota que “dados científicos independentes e sólidos demonstram claramente que tomar paracetamol não causa autismo”. A empresa disse discordar “veementemente de qualquer sugestão em contrário” e demonstrou preocupação com os riscos de desinformação para gestantes.
A controvérsia nasce de estudos observacionais que, em alguns casos, identificaram uma possível associação entre o uso do paracetamol durante a gravidez e maior risco de autismo ou de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Contudo, essas pesquisas são consideradas limitadas, pois não provam que o medicamento cause tais condições. Em 2024, por exemplo, um grande estudo populacional na Suécia, comparando irmãos expostos e não expostos, não encontrou evidências de aumento de risco para autismo ou TDAH.
Revisões publicadas em 2025 por equipes ligadas a Harvard e ao hospital Mount Sinai destacaram que, embora alguns dados apontem para associações estatísticas, não é possível afirmar que o paracetamol seja um fator causal. Os próprios autores desses estudos advertiram que mulheres grávidas não devem suspender o uso do medicamento sem orientação médica, já que tratar febre e dor continua sendo essencial para a saúde da gestante e do bebê.
Além disso, especialistas lembram que os diagnósticos de autismo vêm aumentando desde os anos 2000 principalmente pela maior conscientização e pelo aperfeiçoamento dos critérios de diagnóstico. Para a comunidade científica, o autismo é resultado de uma complexa combinação de fatores genéticos e ambientais, não havendo evidências de uma causa única.
O debate também tem contornos políticos. O governo Trump vem sendo pressionado a oferecer explicações para o crescimento de casos de autismo no país. Críticos afirmam que declarações precipitadas podem gerar medo injustificado e levar gestantes a abandonar tratamentos seguros, colocando em risco sua própria saúde e a de seus filhos.
Profissionais de saúde reforçam que a recomendação internacional segue inalterada: grávidas não devem iniciar, suspender ou substituir medicamentos sem orientação médica. O paracetamol continua sendo indicado para febre e dor, desde que respeitadas as doses recomendadas, no máximo 4 g por dia para adultos. Em caso de dúvida, a gestante deve sempre conversar com o médico que acompanha o pré-natal.
Fontes: AP News, Financial Times, Investopedia, JAMA 2024, Harvard T. H. Chan School of Public Health 2025, Mount Sinai 2025, ACOG, SMFM 2025, SOGC 2025, PBS NewsHour 2025.