A partir desta segunda-feira (23), medicamentos como Ozempic, Wegovy, Saxenda, Mounjaro e outros análogos do GLP-1 só poderão ser vendidos mediante apresentação e retenção da receita médica no Brasil. A medida foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e publicada no Diário Oficial da União no mês de abril, entrando em vigor após 60 dias.
Os chamados agonistas do GLP-1, originalmente desenvolvidos para o tratamento do diabetes tipo 2, ganharam popularidade nos últimos anos por seus efeitos colaterais que promovem a perda de peso, o que os tornou alvo de interesse de pessoas que desejam emagrecer, muitas vezes sem indicação médica. No entanto, o uso fora das diretrizes clínicas tem gerado uma série de preocupações entre profissionais de saúde, autoridades regulatórias e fabricantes.
Uso fora das recomendações preocupa médicos
Levantamento da Universidade de São Paulo (USP), apresentado à Anvisa, revelou que 45% dos usuários desses medicamentos adquiriram os produtos sem prescrição médica, e que 73% jamais receberam qualquer orientação profissional sobre seu uso. A pesquisa também indicou que mais da metade dos entrevistados utilizaram os medicamentos exclusivamente com o objetivo de emagrecer, e não para o tratamento de diabetes ou obesidade diagnosticada.
A endocrinologista Cristina Schreiber, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), alerta que o uso não supervisionado pode resultar em desnutrição, perda de massa muscular, queda de cabelo e deficiências vitamínicas. “Sem acompanhamento médico, muitos pacientes deixam de se alimentar corretamente, o que compromete a saúde a médio e longo prazo”, afirma.
Além disso, o médico nutrólogo Noé Alvarenga destaca que o uso contínuo sem controle pode levar à redução da eficácia dos medicamentos, exigindo doses cada vez maiores e aumentando o risco de efeitos adversos. Segundo ele, após a interrupção do uso sem acompanhamento, o paciente tende a recuperar rapidamente o peso perdido, o que representa um risco adicional à saúde física e emocional.
Efeitos colaterais e contraindicações
Entre os efeitos adversos mais comuns estão náuseas, vômitos, diarreia, constipação, dor abdominal e refluxo gástrico. Também foram registrados casos de pancreatite, condição rara, mas grave, que leva à contraindicação do medicamento para pessoas com histórico da doença. Outros grupos que não devem utilizar as “canetas emagrecedoras” incluem gestantes, lactantes, indivíduos com histórico de câncer de tireoide e pessoas alérgicas aos componentes das fórmulas.
Aumento nas apreensões e circulação de falsificados
O crescimento do mercado paralelo também acendeu um alerta. Somente em 2024, a Receita Federal já apreendeu mais de 350 unidades de medicamentos falsificados ou contrabandeados em aeroportos brasileiros. Em uma única semana, foram confiscadas 600 canetas no Aeroporto Internacional do Recife, evidenciando o avanço do comércio ilegal impulsionado pela alta demanda.
A farmacêutica Novo Nordisk, responsável por produtos como Ozempic e Wegovy, declarou em nota que compartilha da preocupação com o uso irregular dos medicamentos e apoia medidas que promovam a segurança dos pacientes.
Impacto no tratamento de diabéticos
Com o uso descontrolado por pessoas saudáveis, especialistas alertam para a escassez dos medicamentos nas farmácias, o que prejudica quem realmente precisa, como os mais de 13 milhões de brasileiros diagnosticados com diabetes tipo 2. O uso desmedido aumenta a demanda e pressiona o fornecimento, podendo comprometer o tratamento de uma doença crônica com graves implicações quando não controlada.
Contexto global e desafios no combate à obesidade
A popularidade desses medicamentos não é exclusiva do Brasil. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, autoridades também têm discutido o uso off-label, ou seja, fora das indicações aprovadas, e a necessidade de restringir o acesso para evitar abusos. Estudo publicado na revista científica Diabetes Care revelou que, em 2021, cerca de 30% das prescrições de Ozempic no mundo foram feitas para pacientes sem diagnóstico de diabetes.
A obesidade é atualmente considerada uma epidemia global. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com obesidade no planeta. No Brasil, mais da metade da população adulta está acima do peso. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia, embora medicamentos como os agonistas de GLP-1 ofereçam uma ferramenta eficaz para o controle da obesidade, eles devem ser usados com responsabilidade e sempre com orientação profissional.
Educação e prevenção como pilares
Para os especialistas, o tratamento da obesidade deve priorizar mudanças no estilo de vida, incluindo alimentação saudável, prática regular de atividades físicas e acompanhamento médico contínuo. “A obesidade é uma condição crônica e multifatorial. O uso de medicamentos deve fazer parte de um plano terapêutico amplo, individualizado e com metas de longo prazo”, ressalta a endocrinologista Samara Rodrigues, do Grupo Valsa.
A nova exigência da Anvisa é vista como um avanço no controle do uso de substâncias com alto potencial de uso inadequado, além de uma tentativa de proteger pacientes e profissionais de saúde de práticas irresponsáveis motivadas por pressões estéticas e culturais.