O sol nasceu causticante. Seus benévolos, mas fulminantes raios queimavam, de forma abrasadora, o intrépido corpo de Arawá Apurinã, que, visivelmente esmaecido, insistia bravamente em arrancar do útero da terra-mãe as poucas raízes de mandioca que restavam no roçado, próximo à maloca onde morava.
Arawá utilizava o seu peculiar carro de pau para transportar os tubérculos até a casa de farinha, percorrendo um varadouro de uma antiga estrada de seringa, caminho cotidiano de seus ancestrais às margens do rio Purús. Obstinado em sua virtuosa pertinácia e relutante em seu árduo percurso, ele viu o sol (atucáti) dormir e a lua (cacirí) acordar.
Ao chegar à maloca, sua casa (aipo), na dor da noite, o guerreiro estaciona o carro de pau no tapiri de paxiúba, pendura o arco (taputi) e a flecha (sibiriti), retira o peneiro (xamaxi) das costas e, de seu inseparável cesto de cipó, confeccionado com fibras naturais de titica e arumã, recolhe: Iakanhi (pequiá), Maku (castanha), Amakurú (tambaqui), Xinhi (paca), Irarí (porco) e um belo Iranká (mutum).
Sua mãe (inirú) estava com a envelhecida cup-ti (panela de barro) fervendo sob o fogo ardente de itaúba e, ao mesmo tempo, descascando a mandioca trazida por Arawá, que pacientemente torrava a farinha. Os guerreiros Apurinã amassavam a mandioca no tipiti, uma máquina rústica artesanal, semelhante a um cilindro trançado de cipó, de onde retiravam a massa e o líquido.
Finalmente chegara o momento espiritual mais esperado, repleto de ritos e mitos em adoração ao Deus (Camiri-Nacuri). Agora é dança (xipuara), é ek-miri (carne assada), é rapé extraído do tabaco e da casca de popuir pisada no pilão, inserida no nariz através do osso da perna do jaburu.
A grande festa Apurinã durava a noite inteira e, ornamentados com suas originárias pinturas feitas à base de jenipapo e urucum, os indígenas dançavam ingerindo a caissuma, uma bebida fermentada de mandioca. Assim, mantinham vivas suas históricas tradições ancestro-cosmogônicas de luta pela sobrevivência.
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