A comunidade da Vila da Barca, em Belém, se tornou um símbolo dos desafios da justiça climática no Brasil, contrastando com os debates da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorre a menos de cinco quilômetros dali. A precária estrutura das centenárias casas de madeira erguidas sobre palafitas, às margens da baía do Guajará, reproduz desigualdades sociais e reafirma o chamado racismo ambiental.
A Vila da Barca, que é uma das maiores comunidades urbanas de palafitas da América Latina, concentra a vulnerabilidade da crise ambiental e social. A moradora mais antiga, a aposentada Cleonice Vera Cruz, de 77 anos, relata o medo constante: “Quando dá um vento, a casa sacode. Se passar uma pessoa aí do lado, a gente sente porque a casa balança”. O temor se intensificou após o desabamento de uma casa na madrugada da última sexta-feira (14), forçando famílias a buscarem acolhimento dos vizinhos.
Racismo Ambiental e Moradia
O cenário da Vila da Barca reflete os dados de um estudo da organização não governamental Habitat para a Humanidade Brasil, apresentado na COP30. O levantamento revelou que 66,58% da população residente em áreas de risco é formada por negros. A pesquisa cruzou informações sobre áreas de risco hidrológico e geológico em 129 cidades brasileiras, evidenciando que quem vive à margem é a população negra e de baixíssima renda.
Raquel Ludermir, gerente de incidência política da ONG Habitat Brasil, detalhou o perfil: “A maioria das pessoas que estão morando em área de risco é negra, de baixíssima renda, que chega a ser a metade da renda de quem vive em áreas que não são de risco nessas mesmas cidades”.
A diarista Maria Isabel Cunha, conhecida como Bebel, moradora da Vila da Barca, materializa esse perfil. Mãe solo de dois garotos, um deles com deficiência, ela está desempregada e depende da pensão do filho para sustentar a família. Ela ressalta a falta de serviços públicos e questiona a prioridade dos debates: “A gente precisa defender o meio ambiente, mas está se falando bem pouco ou quase nada sobre o cuidado e a proteção de quem mora debaixo da copa das árvores”, afirma Gerson Siqueira, presidente da Associação de Moradores da Vila da Barca.
Luta por Dignidade e Resposta Local
A luta da comunidade passa pela garantia de permanência, mas com condições de segurança e habitabilidade. Na Vila da Barca, que fica no bairro do Telégrafo, vivem mais de mil famílias em cerca de 600 moradias de palafitas.
Em resposta a essa carência, a empresa Águas do Pará iniciou obras de saneamento em julho, totalizando R$ 15 milhões em investimentos. A primeira fase, de abastecimento de água, já foi concluída, e as famílias têm hidrômetro individual, com uma taxa social de R$ 66,42. A rede de esgoto deve ser finalizada até abril de 2026.
Apesar das melhorias, Gerson Siqueira questiona: “Elas vão continuar ali, morando sobre palafitas, até quando? A gente espera que tenha um conjunto habitacional com moradia digna”. A Habitat para Humanidade Brasil alerta que apenas 8% das metas climáticas globais tratam da questão urbana, favelas e comunidades, e defende a necessidade de fortalecer a resiliência dessas comunidades, em vez de justificar a remoção de moradores sob a justificativa de políticas de adaptação climática.











































