FENÔMENO
Há algo de quase inacreditável — e profundamente revelador — no trânsito de Guayaramerín, cidade boliviana irmã de fronteira com Guajará-Mirim.
FENÔMENO 2
Com cerca de 42 mil habitantes, segundo o censo de 2024, e uma frota estimada em quase 90 mil veículos, sendo a esmagadora maioria motocicletas, o município vive um fenômeno difícil de explicar apenas com lógica normativa.
FENÔMENO 3
Quase ninguém usa capacete, grande parte das motos não tem placa e muitas estão velhas, enferrujadas e queimando óleo.
FENÔMENO 4
É nesse contexto que famílias inteiras trafegam juntas — três, quatro e até cinco pessoas em uma única motocicleta — e mesmo assim o índice de acidentes é inferior a 1% da frota.
FENÔMENO 5
Sim, você leu certo. Em Guayaramerín, onde as regras de trânsito parecem estar sempre “no banco de trás”, a cidade registra menos de 1% de ocorrências envolvendo motos e carros.
SEM ÓBITO
Não há mortes no trânsito há três anos, segundo os órgãos de segurança locais. E quando um acidente ocorre, os danos são quase sempre apenas materiais — um retrovisor quebrado, uma carenagem amassada, uma queda leve no asfalto quente do Beni.
DÚVIDAS
Como explicar? A única definição seria uma educação comunitária: o código invisível que substitui o código de trânsito.
CONTRAMÃO
O que se vê em Guayaramerín desafia a lógica burocrática de quem acredita que segurança no trânsito depende exclusivamente de normas rígidas, multas pesadas e fiscalização ostensiva.
SEM MULTA
Lá, não há a cultura do medo da punição, mas existe algo que, no Brasil, anda em falta.
RESPONSABILIDADE
O cuidado espontâneo, a cooperação natural, o senso de responsabilidade coletiva.
RESPONSABILIDADE 2
Na prática, Guayaramerín prova que leis funcionam melhor quando encontram uma sociedade que já entende por que elas existem.
FLUIDEZ
E quando essa consciência é enraizada, a lei se torna quase dispensável; vira coadjuvante de uma organização social que nasce do respeito, não do temor.
SE ENTENDEM
O trânsito na cidade é quase um balé: as motos se entrelaçam pelas ruas, as pessoas diminuem antes de cada cruzamento, motoristas fazem contato visual, há uma coreografia tácita que funciona porque todos se enxergam como parte do mesmo espaço — e não como adversários na corrida urbana.
CONTRASTE
Do outro lado da fronteira, aqui em nossa Porto Velho, os números são um tapa seco na cara.
CONTRASTE 2
Cinco acidentes por dia, em média; alta taxa de colisões graves; mortes recorrentes; motociclistas sem capacete; direção agressiva; falta de respeito à faixa, ao sinal, ao outro.
OPOSTO
E isso numa cidade onde, diferente de Guayaramerín, tudo é regulamentado, fiscalizado, normatizado, legislado.
MUVUCA
Aqui temos leis. Lá, funciona o que seria chamado no Brasil de “bagunça”. Então por que eles não morrem e nossos motoristas e pilotos sim?
PESSOAS
Guayaramerín expõe uma verdade dura: nenhuma legislação substitui a educação social.
DISPOSITIVOS
O poder público pode multiplicar radares, endurecer multas, criar campanhas, mas nada disso se compara ao que acontece quando a população naturalmente adota práticas de cuidado e respeito.
FATO
Em Porto Velho, cumprimos as leis de forma obrigatória — quando cumprimos.
ENTENDIMENTO
Em Guayaramerín, eles se cuidam porque entendem que, no trânsito, a vida depende do outro. É a força de uma cidadania silenciosa.
TEORIA
Em uma cidade onde: motos sem placas circulam livremente, crianças dividem assento com adultos, ninguém usa capacete, não há fiscalização rigorosa, a expectativa seria o caos.
REALIDADE
O que há é o oposto. E isso deveria ser estudado, compreendido, observado com humildade.
CONSTATAÇÃO
Talvez porque ali o trânsito não é uma guerra — é uma convivência. Talvez porque o fluxo não é disputa — é circulação.
CONSTATAÇÃO 2
Talvez porque as pessoas não dirigem para “se afirmar”, mas para se deslocar. Talvez porque o trânsito não é uma arena — é parte da vida comunitária.
OPINIÃO
Guayaramerín nos faz uma provocação poderosa: quando existe educação — educação real, cotidiana, nas relações humanas — a lei deixa de ser instrumento de controle e passa a ser apenas referência.
OPINIÃO 2
E esse é o ponto. No trânsito brasileiro, especialmente em Porto Velho, não falta lei. Falta comportamento. Falta consciência. Falta cultura de cuidado. Falta respeito.
OPINIÃO 3
Guayaramerín não é um modelo perfeito, mas é um lembrete incômodo de que, antes de exigir obediência cega às regras, precisamos reconectar as pessoas ao valor da vida — a própria e a do outro.
OPINIÃO 4
Porque onde há educação coletiva, até o trânsito mais improvável funciona. E onde ela falta, nem o código mais rígido dá conta do recado.
FRASE
O trânsito só funciona quando cada um entende que a prioridade não é vencer, mas conviver.









































