Especialistas em segurança pública criticaram a retórica de governadores de direita sobre o combate ao crime, alegando que o discurso transfere o debate do campo policial para o político e geopolítico. A discussão acontece em meio à Operação Contenção, no Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos.
O sociólogo Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), criticou a criação do “Consórcio da Paz”, projeto de integração entre sete governadores, incluindo Cláudio Castro (RJ) e Tarcísio de Freitas (SP).
“Os governadores erraram no nome. Deveria se chamar Consórcio da Morte, porque é isso que eles estão propondo. Certamente não é a paz”, afirmou Cano. Ele avalia que a maioria dos líderes de direita estão “promovendo a letalidade policial”.
O uso político do termo “narcoterrorismo”
Outro termo criticado por sociólogos e cientistas políticos é “narcoterrorismo”, usado por governadores como Castro, Tarcísio e Romeu Zema (MG) para se referir às facções criminosas.
Jacqueline Muniz, antropóloga e cientista política da Universidade Federal Fluminense (UFF), classificou a expressão como uma “bobagem que atrapalha a polícia”. Segundo ela, o uso do termo “oculta incompetências, incapacidades e oportunismos políticos”.
“Quando você diz que está diante de um narcoterrorismo, você está dizendo que precisa de mais poder, mais dinheiro, mais orçamento e que não precisa dar satisfação do que vai fazer”, complementou Muniz.
Do ponto de vista conceitual, Ignacio Cano aponta que a expressão é contraditória, pois terrorismo está associado a objetivos políticos. O objetivo do criminoso seria o lucro, não a motivação política.
A Lei n° 13.260, de 2016, que define terrorismo no Brasil, classifica facções de tráfico de drogas como organizações criminosas, diferente do entendimento adotado pelos governos de direita.
Pressão internacional e risco à democracia
Os especialistas em segurança pública entendem que a pressão pelo uso de “narcoterrorista” é um alinhamento político com forças externas, como os governos da Argentina e Paraguai, que classificaram o PCC e o Comando Vermelho como terroristas.
Jonas Pacheco, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, avalia que o discurso transfere o debate para a geopolítica. Ele afirma que isso aumenta o risco de interferências internacionais e fragiliza a democracia, já que as leis antiterroristas diminuem garantias processuais.
“Uma forma de os Estados Unidos intervirem de forma mais efetiva no nosso território é justamente apelar para o que os norte-americanos temem historicamente”, disse Pacheco.
A desumanização pela “guerra às drogas”
A categoria semântica de “guerra”, muito comum entre as autoridades, também é criticada pelos especialistas. Eles alertam para as consequências simbólicas e materiais da retórica.
“Quando você pauta o debate na ideia de guerra, você valida ações que barbarizam todo um território,” afirmou Jonas Pacheco. Ele ressalta que o “inimigo nessa guerra” é o traficante da favela, o “pobre e o preto” em territórios de extrema precarização.
Para Jacqueline Muniz, a retórica é um “projeto autoritário” em que a insegurança se torna política pública. “Estamos falando de um projeto autoritário onde a insegurança se torna política pública. Quanto maior a insegurança, melhor para essas autoridades, porque nós somos fidelizados pelo medo.”









































