Um estudo pioneiro sobre a substituição de camundongos por ensaios in vitro (em laboratório) para o controle da qualidade de soros antiveneno de serpentes do gênero Bothrops (jararacas, cotiaras e urutus) recebeu premiação e menção honrosa internacionais. A pesquisa é conduzida pela bióloga Renata Norbert, do Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz).
O trabalho foi premiado pela Sociedade Europeia para Alternativa de Testes em Animais e obteve menção honrosa do Centro Nacional para a Substituição, Refinamento e Redução de Animais em Pesquisa, no Reino Unido. As serpentes Bothrops são responsáveis por cerca de 90% dos acidentes com cobras no Brasil, com 12 mil casos registrados somente neste ano pelo DataSUS.
Método in vitro é mais rápido e humano
Renata Norbert explicou à Agência Brasil que o estudo vem sendo desenvolvido há anos, atendendo a apelos do INCQS desde 2001. A motivação é dupla: evitar o sofrimento dos roedores — submetidos a testes longos e dolorosos, sem anestesia, e que são sacrificados após o procedimento — e obter resultados de forma mais rápida e barata.
A nova metodologia prevê a substituição de camundongos pelo uso de células Vero, cultivadas em laboratório. O soro é misturado ao veneno e, caso as células permaneçam intactas, o soro é aprovado. Qualquer efeito tóxico indica reprovação. A bióloga reforça que o novo método tem potencial para reduzir em até 69% o custo e agilizar a liberação do produto.
“A gente libera o resultado em uma semana, enquanto os camundongos levam pelo menos um mês na produção até chegarem à fase adulta. Depois, ainda vão para o INCQS para aclimatar e ficam dias no laboratório, antes de serem experimentados. O nosso método é simples, então dá uma diferença grande”, assegura Renata Norbert.
Fases de validação e aplicação prática
A pesquisa da Fiocruz alcançou a fase de pré-validação, o que é inédito para antivenenos em nível mundial. Agora, o estudo está na última fase, que envolve a reprodutibilidade em outros laboratórios, onde a metodologia será testada para atestar a robustez do método.
Após a conclusão e validação, a meta é submeter o resultado à farmacopeia brasileira para que o projeto seja colocado em prática. Norbert acredita que a substituição de roedores poderá ser iniciada a partir de março de 2026.
O projeto poderá ser adotado pelos produtores de soro, que atualmente utilizam um grande número de camundongos em todas as etapas da cadeia antiveneno. Os resultados obtidos em diferentes laboratórios serão analisados estatisticamente e submetidos aos órgãos reguladores para implementação no Programa Nacional de Imunização (PNI).
Expansão internacional para doença negligenciada
O reconhecimento internacional obtido é um estímulo para a pesquisadora, que planeja expandir o estudo para o exterior, incluindo outros laboratórios e outros tipos de serpentes do gênero Bothrops. “Se ela é efetiva para Bothrops jararaca, também pode ser para Bothrops Asper, encontrada na América Central e no norte da América do Sul”, explicou.
O envenenamento por Bothrops pode causar hemorragia, necroses e amputações e é classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma doença tropical negligenciada, uma vez que não desperta o interesse comercial da indústria farmacêutica privada. O antiveneno e os testes de qualidade são realizados por unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), como o INCQS/Fiocruz, o Instituto Vital Brasil, o Instituto Butantan e a Fundação Ezequiel Dias.