Pesquisadores estão alertando para as armadilhas da mercantilização da pauta climática, indicando que a forma como países ricos e grandes poluidores abordam a transição energética pode, na verdade, aprofundar desigualdades sociais e ambientais, especialmente no Sul Global. Essa é a principal reflexão da coleção de livros “Politizando o Clima: poder, territórios e resistências”, que teve os três primeiros volumes lançados no Rio de Janeiro na última segunda-feira (20).
O trabalho é resultado de uma parceria entre a Fundação Rosa Luxemburgo, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), o Coletivo de Pesquisa Desigualdade Ambiental, Economia e Política e a Editora Funilaria. O quarto volume da coleção está previsto para o fim do mês.
A camuflagem da transição energética
O estudo das pesquisadoras Ailce Alves e Larissa Santos, que integra a coletânea, exemplifica o problema analisando a extração do manganês em Rio Preto, no município de Marabá, sudeste do Pará. O mineral é estratégico para a transição energética, sendo usado em baterias de carros híbridos e elétricos, e é vendido para países como Estados Unidos, México, Noruega, China e Índia.
No entanto, o estudo revela que, por trás do discurso de sustentabilidade, a mineração deixa um rastro de impactos ambientais e sociais para a população local. A lista de prejuízos inclui poeira, lama, riscos de acidentes e rompimento de barragens de rejeitos, além de conflitos internos. Para as pesquisadoras, isso sugere que a transição energética pode servir como uma camuflagem para que mineradoras reproduzam dinâmicas destrutivas e aprofundem desigualdades socioambientais.
Colonialismo verde e assimetrias históricas
A coletânea busca fortalecer a defesa da justiça socioambiental, o enfrentamento ao racismo ambiental e, principalmente, ao colonialismo verde — que é a interferência de nações ricas nas políticas de preservação ambiental dos países em desenvolvimento.
Conforme explica a cientista social Elisangela Paim, uma das organizadoras, a coleção analisa as disputas em torno da política energética, gestão territorial e a mercantilização da natureza, destacando as implicações territoriais, de classe, raça e gênero, e as assimetrias históricas entre o Norte e o Sul Global.
Os autores da coleção apontam que a chamada “pretensa transição verde” liderada pelos países ricos resultou em um tipo de continuidade colonial no mundo. David Williams, diretor do Programa Global de Justiça Climática da Fundação Rosa Luxemburgo em Nova York, critica a prática: “Criam-se duas condições, lideradas pelos países ricos: no próprio território, prioriza-se o verde, e os prejuízos ficam no exterior”.
Finanças climáticas e promessas não cumpridas
Outra crítica central da coleção é sobre a responsabilidade histórica dos países industrializados, que são os maiores emissores. Eles deveriam pagar pela mitigação, adaptação e reparação por perdas e danos no Sul Global, mas, segundo Williams, essa promessa “nunca foi cumprida”.
Ele complementa que o sistema de “finanças climáticas” atual se baseia em empréstimos, e não em justiça e reparação.
Os debates da coletânea, que buscam ir além das narrativas dominantes, como as de governos e empresas do agronegócio e da mineração, são considerados fundamentais para as discussões que acontecerão na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para o próximo mês em Belém.