O mercado global da cannabis medicinal ganhou um impulso significativo após o presidente dos EUA, Donald Trump, elogiar os benefícios terapêuticos do canabidiol (CBD) em um vídeo em 28 de setembro. O CBD, um canabinoide não psicoativo, já tem eficácia comprovada no tratamento de epilepsia, dores crônicas, e mitigação de efeitos colaterais da quimioterapia.
Trump defendeu que médicos aprendam sobre o CBD para receitá-lo e afirmou que buscará aprovar a inclusão de tratamentos à base de CBD no Medicare (seguro de saúde federal). O impacto no mercado foi imediato:
- Tilray Brands (Nova York) viu suas ações subirem 20%. A empresa foi pioneira, sendo a primeira da cannabis a abrir capital na NASDAQ em 2018.
- Outras grandes corporações como Canopy Growth (+20%), Aurora Cannabis (+13%), e Cronos Group (+9,5%) também registraram altas.
O mercado mundial da maconha medicinal estava avaliado em US$ 13 bilhões em 2022, com um crescimento anual esperado de 21,8% entre 2023 e 2030, evidenciando o enorme potencial da “Cannabis que não afronta a ‘moral e os bons costumes’”.
Do Empreendedorismo à Repressão: Os Dois Pesos e Duas Medidas
O avanço do chamado “capitalismo canábico” — a mercantilização global da cannabis — contrasta drasticamente com o endurecimento da política externa e interna dos EUA sob o lema da ‘Guerra às Drogas’.
Endurecimento no Exterior
Em seu segundo mandato, Trump assinou uma ordem executiva classificando grupos do crime organizado latino-americano (como o Cartel de Sinaloa, Tren de Aragua e Mara Salvatrucha) como “grupos terroristas”. Essa classificação retira os grupos dos limites do Estado Democrático de Direito, permitindo a Washington a adoção de medidas como:
- “Interrogatórios reforçados” (tortura).
- Prisões sem acusação formal.
- Desaparecimento forçado e confisco de bens.
Além disso, Trump “descertificou” a Colômbia do presidente Gustavo Petro por “não colaborar com a política antidrogas”, o que pode levar a sanções econômicas e quebra de acordos militares.
Incoerência no Front Interno
Internamente, a política de drogas americana mantém a lógica da ‘Guerra às Drogas’ dos anos 80, focada na repressão ao tráfico estrangeiro e na punição de traficantes negros, asiáticos e hispânicos. Essa repressão contribui para o maior sistema carcerário do mundo, com mais de 2 milhões de pessoas presas.
Essa postura contrasta com o tratamento dado a negociadores de drogas com perfil social diferente. Um exemplo notório é o perdão concedido por Trump a Ross Ulbricht, um homem branco, rico e formado em Física, condenado à prisão perpétua em 2015 por ser o dono do site Silk Road. Trump chegou a elogiar Ulbricht por sua “inventividade e empreendedorismo“.
O Quadro da Legalização e Repressão no Brasil
No Brasil, apesar da recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que regulamentou o consumo legal de maconha (definindo limites de gramas e pés para diferenciar usuário de traficante), a repressão policial segue a mesma lógica racializada dos EUA:
- O ‘usuário’ de maconha costuma ser branco, estudante e de classe média ou alta.
- O ‘traficante’ é majoritariamente negro, indígena, periférico, pobre e de baixa escolaridade.
A ‘Guerra às Drogas’, como resume o professor Paulo Pereira (PUC-SP), nunca foi sobre as drogas em si, mas sobre quem as negocia e consome. Quando o produto, o lucro e o uso estão no topo da hierarquia social (branca), prevalece a legalidade. Quando está na base (populações racializadas), prevalece a repressão.