O escritor João de Jesus Paes Loureiro nos diz que para o nativo da Amazônia, a contemplação é um estado de sua existência. O princípio e o fim de suas relações com a vida cotidiana e a raiz de suas peculiaridades de expressão. O autor nos diz ainda que tudo isso “é uma contemplação que estabelece equilíbrio de limite e grandeza do homem com a natureza”.
É neste equilíbrio que o caboclinho da mata age. Ele é o alicerce e as colunas das leis mitológicas da natureza. Sua solidez e retidão permite ao homem ser relutante em seus fazeres, porém, não admite que nesta empreitada da vida, o homem abuse de seus feitos e passe a esnobar do que a natureza em sua dadivosa bondade lhe oferece.
Ás vezes o homem da floresta exagera em sua confiança, e no varadouro[1] onde costumeiramente vai em busca de uma “caça[2]” para garantir a alimentação da família, ele sente-se lisonjeado meio a tanta fartura e passa a matar mais do que o necessário para comer. Ele não se contenta apenas com uma paca (cuniculus paca), um caititu (pecari tacaju) ou um Jacu (penelope), e nesta momentânea indolência fraqueja diante da benevolência florestal, passando a cada vez mais reunir uma quantidade abusiva de carne.
Feliz com a sua astúcia e valentia, ele retorna ao velho tapiri, e mesmo sendo indagado pela esposa diante do excedente de carne em abundância, sem que houvesse tamanha necessidade na casa, o brasiviano desossa a “caça”, salga e leva ao sol para o preparo do jabá. Agora saciado, o seringueiro rende-se a peleja do dia e adormece sob o luar da suntuosa noite.
No raiar do fulgurante dia, ele levanta-se e caminha em direção a corda de cipó, onde deixara a carne descansando no orvalho noturno. Para sua surpresa o gato – do – mato (Leopardus tigrinus) tinha levado quase toda a carne destinada a praticamente dois meses de alimentação, restando apenas o necessário para o consumo de uma semana.
[1] Caminho aberto no interior da mata. Estrada no meio da selva, que liga uma colocação a outra, onde passa comboio de animais, mulas e bois de carga, levando mercadoria e trazendo borracha ou castanha do centro para o barracão ou para a margem. Lugar de pouca profundidade na água, à margem de um rio, onde com frequência ocorre encalhe de embarcações; canal rapidamente aberto entre dois rios, para permitir deslocamento rápido de um para o outro. Canal que liga um brejo ou um lago a um rio; atalho de um rio através da várzea submersa. (Ranzi, 2017, p. 103).
[2] Animais silvestres caçados comumente, para a alimentação. A anta, a queixada, o porquinho e o veado são definidos como caça grande. (Ranzi, 2017, p. 28).