No julgamento da Ação Penal 2668, envolvendo a chamada tentativa de golpe de Estado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. O professor e jurista Ives Gandra da Silva Martins publicou uma análise crítica sobre o relatório do ministro Alexandre de Moraes, levantando dois pontos centrais: a antecipação do voto no relatório e a interpretação ampla da Constituição.
Antecipação do voto no relatório
Segundo Gandra, o relatório apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes inovou ao indicar previamente como seria o julgamento. “Normalmente, o relator apresenta os fatos e, depois, o voto é dado após a defesa, podendo inclusive ser modificado com base nos argumentos apresentados. Aqui, já se anunciou antecipadamente a decisão, afirmando que a punição seria cumprida e que a lei de anistia não poderia prevalecer”, observa.
O jurista reforça que, em sua experiência de décadas de advocacia e participação em tribunais, nunca presenciou antecipação do voto durante a leitura do relatório. Para ele, a prática representa uma inovação processual preocupante, pois desrespeita a sequência tradicional de relatório, defesa e voto.
Interpretação da Constituição e separação de poderes
O segundo ponto de destaque é a interpretação do STF sobre dispositivos constitucionais. Gandra afirma que a Corte tem modificado a Constituição e legislar, com exemplos como:
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Mudanças no conceito de casamento e reconhecimento do casamento homoafetivo;
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Ampliação de direitos territoriais indígenas além do previsto no artigo 231;
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Autorização do aborto de anencéfalo;
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Alterações no Marco Civil da Internet, permitindo censura prévia;
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Transformação do IOF em tributo arrecadatório;
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Interpretação do artigo 53, que permite responsabilizar parlamentares por manifestações.
Para Gandra, tais decisões evidenciam que o STF reescreve a Constituição, extrapolando sua função de interpretação e violando o princípio da separação harmônica dos poderes, previsto na Constituição de 1988.
“Respeitar a Constituição significa acatar o que os constituintes escreveram, e não reinterpretar ou adaptar a Lei Maior aos tempos atuais. Prefiro manter a visão de três Poderes independentes, que defendi durante 20 meses na Constituinte e em 68 anos de advocacia”, conclui.
O jurista destaca ainda sua admiração pessoal pelo ministro Alexandre de Moraes e pela obra doutrinária do magistrado, afirmando que sua análise não tem caráter de crítica pessoal, mas busca alertar sobre mudanças institucionais que afetam o equilíbrio dos poderes e o cumprimento da Constituição.