Os saberes brasivianos não se encontram ofuscados ou distanciados de sua floresta mitológica – cosmogônica, pois são aspectos que se fundem no seu espaço e tempo, confirmando que não há aversão entre os fazeres cotidianos e o mundo surreal. Ambos estão atrelados às experiências do vivido e entranhados à natureza inebriante do rio Mamu. São nas aguas deste caudaloso rio que vive o menino boto.
Diferentemente do boto da Amazônia, onde a mitologia narra que o boto é sedutor e engravida mulheres, o brasiviano Leonardo Fragoso nos conta em sua narrativa que o menino boto era um menino de verdade, e nos dá uma nova versão sobre ele:
“Na verdade, ele era um menino mesmo. Todo mundo sabe disso aqui no Mamu. Conhecemos até os parentes dele que ainda moram aqui em Extrema. Era um menino normal como qualquer outro. Um dia ele foi no Mamu de batelão e caiu dentro d’água. A mãe dele estava junto e viu quando ele caiu. Todo mundo ficou procurando ele, nadando, nadando e nada de achar o menino. Aí esse menino se virou em um boto e vive do Mamu até o Abunã. É o que todo mundo conta”.
No entanto, para João de Jesus Paes Loureiro, o Boto epifanizado em rapaz vestido de branco pode surgir em uma festa de danças, sem que ninguém o conheça ou o tenha convidado. Ele destaca-se pela habilidade na dança e pelas maneiras elegantes como se apresenta vestido, e segundo o autor:
“Ele pode, de outra maneira, aparecer no quarto e deitar-se na rede com a mulher que pretende seduzir e amar. Pode também engravidar as mulheres que, estando menstruadas (ou enluadas, segundo a palavrada linguagem cabocla de origem indígena), o tiverem olhado de perto, seja de um tombadilho de um barco, seja de algum lugar à beira de um rio”.
Antes de ser transformado em boto, o menino brasiviano vivia contemplando a natureza e admirando a beleza das aguas do rio que alimentava sua gente. Esta admiração era recíproca, e as aguas também viviam a admirar a beleza do menino. O entranhamento de ambos foi enfim consagrado pela natureza.
O menino despediu-se do batelão, caiu na agua num inexplicável acidente e jamais fora encontrado pela família. Mais tarde, o consolo da família brasiviana foi saber que o menino continuava a viver em liberdade nas aguas do Mamu. O menino boto possui uma íntima relação com as águas do rio Mamu, e segundo dizem os seringueiros brasivianos, ele era uma criança que caiu na água e virou boto.