O Governo Federal iniciou nesta segunda-feira (8) uma nova operação de desintrusão na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, localizada em Rondônia. A medida, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da ADPF 709, tem como objetivo retirar invasores, combater crimes ambientais e garantir a proteção das comunidades indígenas que habitam a região.
A Terra Indígena, homologada em 1991, ocupa 1,8 milhão de hectares e se estende por Guajará-Mirim e outros 11 municípios rondonienses. Nela vivem cerca de 500 indígenas dos povos Uru-Eu-Wau-Wau, Amondawa, Cabixi e Oro Win, além de pelo menos três grupos isolados já confirmados.
Estrutura da operação
Coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, a ação reúne mais de 20 órgãos federais, entre eles os Ministérios dos Povos Indígenas, da Defesa, da Justiça e Segurança Pública, a Funai, o Ibama, a Polícia Federal, a PRF, a Força Nacional, o ICMBio e a Abin.

As medidas incluem fiscalização terrestre e aérea, inutilização de maquinários usados em atividades ilegais, monitoramento contínuo e ações preventivas para evitar o retorno de invasores. O Exército dará suporte logístico e operacional.
Crimes identificados no território
A TI Uru-Eu-Wau-Wau é alvo de diversas pressões ilegais, como:
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Grilagem e loteamento de terras
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Extração ilegal de madeira
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Desmatamento para fins agropecuários
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Pesca e mineração ilegais
Essas práticas têm impacto direto no meio ambiente e na vida das comunidades, colocando em risco modos de subsistência, cultura e organização social.
Durante coletiva à imprensa realizado na tarde de segunda-feira dia 08 em Porto Velho, autoridades do Governo Federal reforçaram os objetivos da operação. O coordenador-geral da ação, Nilton Turbino, destacou que o caso específico do Projeto de Assentamento Dirigido (PAD) Burareiro será tratado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ):
“O caso do PAD de Burareiro, o ministro Barroso, que é o relator da ADPF 709, remeteu essa situação para o Conselho Nacional de Justiça. Tem a Comissão de Conflitos Fundiários do CNJ e ele vai tratar o caso específico do Burareiro. É claro, ouvindo não só os moradores que estão lá, mas também os representantes indígenas, os órgãos do governo, tanto o INCRA quanto a Funai, para ver o melhor caminho para a situação do PAD de Burareiro. Aqui não está se discutindo redução de terra indígena ou a perda de direito das comunidades indígenas. O que está se discutindo é a situação do PAD de Burareiro e isso o CNJ vai dar orientação ao ministro Barroso qual é o destino final. Quer dizer, vai ter que indenizar, vai ter que parar. Todos esses setores vão ser tratados nessa Comissão de Conflitos do CNJ.”
A diretora de Obtenção de Terras do Incra, Maira Coraci, explicou como será conduzido o levantamento dos ocupantes da área:
“No primeiro momento, o INCRA vai fazer uma avaliação dos ocupantes internos, até para identificar as pessoas que estão lá de boa fé. Aquele PAD é um projeto de colonização da década de 70. Então muitos dos ocupantes, alguns inclusive, já eram titulados antes da demarcação da terra indígena. Por isso o governo vai fazer esse levantamento através do INCRA, para que a gente respeite os direitos dos cidadãos de boa fé que estiverem no interior do PAD de Burareiro. Dentro do CNJ está a Resolução 510, que traz a possibilidade de uma comissão formada por diversos entes — federativos, Ministério Público, Defensoria Pública, juízes — até para a gente chegar na melhor solução mediada em comum acordo, ouvindo a comunidade indígena e os representantes do PAD. Nada vai ser feito sem ouvir todas as partes. Prazo final não tem, mas esse levantamento o INCRA já está fazendo desde 2023. Não é um processo que começou agora. Estamos realizando reuniões, levantamentos e buscando processos antigos para que tenhamos uma resposta concreta e segura em relação à solução que será implementada.”
O secretário nacional de Direitos Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas, Marcos Kaingang, ressaltou que a operação é uma resposta a uma demanda histórica:
“Essa operação já é há muito tempo demandada no Poder Judiciário, mas ela ganhou muito mais força com a ADPF 709, que é uma solicitação de 2020 da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, pedindo a retirada de invasores das terras indígenas. São sete terras indígenas, dentre elas a Uru-Eu-Wau-Wau. Essa medida foi sendo descumprida ao longo do tempo. Então, os povos indígenas querem, com essa decisão judicial, retirar os ocupantes ilegais, combater o desmatamento e a presença de gado ilegal na terra indígena. Isso impacta diretamente a vida e a cultura dos povos, inclusive dos isolados. O nosso papel, enquanto Estado brasileiro, é garantir essa retirada. Diferente de operações pontuais já realizadas, essa tem caráter estrutural e de longo prazo, com planejamento que envolve também o pós-desintrusão, levando políticas públicas ao território. Uma das maiores preocupações é a proteção dos povos isolados, extremamente vulneráveis, que precisam da ação integrada da Funai, do MPI e de outros órgãos. É uma terra enorme, com quase 2 milhões de hectares, o que exige reforço na estrutura de fiscalização e fortalecimento da Funai, inclusive com novos servidores e frentes de proteção.”
O comandante da 17ª Brigada de Infantaria de Selva, general Marco Aurélio Magalhães Cavalcanti, detalhou o papel do Exército na operação:
“Dentro do plano de desintrusão da terra indígena, ao Exército coube o apoio logístico e também de comunicações às diversas agências envolvidas. Nós já estamos há algum tempo preparando uma base de operações em Campo Novo de Rondônia, com cerca de 45 militares trabalhando diuturnamente para deixar uma área confortável para que os diversos agentes possam atuar. Temos capacidade de montar alojamentos, cozinha, alimentação, estacionamento de viaturas, apoio básico de saúde e manutenção de veículos. Quem montou essa base foi o Batalhão Logístico de Porto Velho, mas após a instalação o 6º Batalhão de Infantaria de Selva, de Guajará-Mirim, vai assumir o trabalho. A permanência do Exército após a operação não está prevista, mas caso seja solicitado e autorizado pelo Ministério da Defesa, estaremos prontos para cumprir a missão.”
Importância legal e constitucional
A Constituição Federal de 1988 garante aos povos indígenas os direitos originários sobre suas terras tradicionais, assegurando a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais. O artigo 231 estabelece que ocupações e atividades ilegais em territórios indígenas são nulas, sem efeito jurídico.
Além disso, a TI Uru-Eu-Wau-Wau abriga o Parque Nacional de Pacaás Novos, unidade de conservação de proteção integral. A preservação desse território é considerada estratégica para a manutenção do bioma amazônico.
Histórico e continuidade
Esta é a nona operação de desintrusão realizada no governo Lula desde 2023. Já foram conduzidas ações semelhantes em terras indígenas como Alto Rio Guamá, Apyterewa, Karipuna, Munduruku, Araribóia, Kayapó e Yanomami.
De acordo com o governo, o processo não se limita à retirada de invasores: inclui também a implantação de políticas públicas voltadas à proteção permanente das comunidades e ao fortalecimento de sua autonomia.
O que está em jogo
A desintrusão da TI Uru-Eu-Wau-Wau representa mais que uma ação policial. É uma medida para garantir o usufruto exclusivo do território pelos povos indígenas, preservar a floresta amazônica e reafirmar a soberania do Estado brasileiro diante das pressões fundiárias e ambientais.