Solidão e lugar se imbricam de maneira tão peculiar, que a natureza estetizante batiza e celebra, esse inefável encontro de beleza e de paz, como uma obra imaculada divinal da alma, que aloja os sentimentos ontológicos aos atos de viver e pertencer, como enraizamento de mundo. O silêncio da solidão abrilhanta o aconchego do lugar e vivifica a liberdade coletiva da existência humana.
O lugar adentra na alma, constitui a identidade cultural, viaja na essência da cosmogonialidade, e faz que o espaço de busca, se transforme num espaço lugarizado. Para a geógrafa Lívia de Oliveira, lugar é tempo lugarizado. Para a mesma autora, lugar e tempo nos apresentam intimamente ligados.
Para Edward Relph, o núcleo de significado de lugar se estende em suas ligações inextricáveis com o ser e com a nossa própria existência. Segundo nos informa a escritora Lígia Saramago, o que imediatamente se mostra como fundamental é a importância decisiva atribuída à relação entre ser e estar em seu lugar, uma relação de autêntica e essencial pertencimento de lugar.
É nesse pertencimento de lugar onde as águas são o descanso e o sono. Sem as águas não há repouso para fauna e flora. Há vidas que moram e que brilham nas águas, e há vidas, que são embebecidas pela sua maternidade benevolente, para que possam sobreviver noutras moradas de mundos reais e surreais. As águas correm ininterruptas e transbordam de forma imponente na cotidianidade beiradeira do lugar vivificado pelas suas inebriantes correntezas de veias abertas que matam a sede da humanidade, mesmo raivosa.
A água possui mãe, a mãe-d’água vive entranhada na alma da família beiradeira. Os seus cabelos são as raízes inefáveis que enfeitam as ondas do caudaloso rio. A sua enigmática beleza feminina, encanta e fascina os rebentos da floresta com o seu atraente manto fluvial.
Eu vejo a mãe-d’água doente
De tanto veneno beber
Ela bebe para depois amamentar
E não deixar a família adoecer
O rio é a morada dela
Mas o homem matou a casa dela
Deixando a mãe envenenada morrer