O espaço de ação beiradeiro e os seus tradicionais modos de vida, estão sendo criminosamente silenciados e condenados ao patíbulo da invisibilidade social vigente. Nesse calabouço humano e doentio, que promove a desonra pública, que asfixia as vozes vulneráveis da mata, e que violenta os saberes ancestrais, fica visível e clarividente, o desejo incontrolável de uma parcela privilegiada da sociedade envolvente, em estereotipar e estigmatizar os valores sócio-linguístico-culturais dos povos ribeirinhos da Amazônia brasileira.
Essa sociedade envolvente que desterra, usurpa, aliena e ceifa a autêntica ontologia da alma alojada à beira do rio, é uma sociedade dotada de ódio e perversidade, que execra e hostiliza de maneira impiedosa, a tolerância, o respeito e a brandura, das diferentes diferenças em enxergar o outro. No atual cenário de uma vigência inescrupulosa, era anteriormente, um cenário imaculado da solidão da mata e da solidão singular do bem viver.
Para o filósofo francês Gaston Bachelard, a solidão está alojada na casa, e ambas estão alojadas ao ser. Há um profundo entrelaçamento de todo esse imaginário privilegiado com o sentimento ontológico da alma humana. A solidão do lugar, portanto, não exila a liberdade, não é tirana, não é despótica, não é malogro dos modos de vida, e não é submissa ou insolente à mãe terra, ela condena o calvário, ceifa o desprezo, cala a arrogância e sepulta o sentimento de tristeza do ser do ente humano.
Mas o silêncio da solidão não será libertador se não estiver entrelaçado às águas exuberantes da verde mata, visto que na complacência das águas, divinamente entranhada à paisagem da casa, o ribeirinho amazônico viaja em seus devaneios estetizantes. A água no deslumbramento de sua exuberância cósmica, habita alma humana, e a faz sentir-se, além da transcendental pureza espiritual da vida em estesia.
O filósofo Gaston Bachelard, nos diz que sonhar perto de um rio, consagra a imaginação à água, e que não pode sentar perto de um riacho sem cair num devaneio profundo. Para o mesmo autor, “o verdadeiro olho da terra é a água”. Corroborando com Bachelard, o escritor Eric Dardel, em sua geograficidade, nos esclarece que “por sua mobilidade e pelo salto soletrado da corrente, as águas exercem uma atração que chega à fascinação”.
Vejo a última gota d’água
Da terra se despedir
O rio onde morava
Não pôde mais existir
Vejo a gota d’água sofrendo
E a última árvore morrendo
No velório onde morri.