A escassez de alimentos na Faixa de Gaza chegou a níveis alarmantes. Um relatório do Integrated Food Security Phase Classification (IPC), sistema apoiado pela ONU, confirmou pela primeira vez a existência de fome generalizada em parte do território. O documento alerta que mais de meio milhão de pessoas vivem em condições “catastróficas”, marcadas por miséria, fome e morte.
Reem Tawfiq Khader, 41 anos, mãe de cinco filhos, contou que há meses sua família não tem acesso a proteínas, frutas ou verduras. “Meu caçula tem quatro anos e não sabe qual o gosto de uma fruta. A declaração de fome veio tarde, mas ainda assim é necessária”, disse.
A ONU aponta que as restrições impostas por Israel à entrada de ajuda humanitária dificultam o abastecimento de alimentos, algo que o governo israelense nega. Israel também rejeita reconhecer a fome, contrariando relatos de moradores, mais de 100 organizações humanitárias e diversos órgãos da ONU.
Em outro relato, Rajaa Talbeh, 47 anos, afirmou ter perdido 25 quilos desde o início da guerra. Portadora de intolerância ao glúten, ela sobrevive em uma tenda improvisada perto da praia, sem acesso a alimentos adequados. “Antes da guerra, instituições me ajudavam a conseguir produtos sem glúten. Hoje, mesmo quando encontro, não tenho condições de pagar”, contou.
O drama também atinge crianças. Rida Hijeh, 29 anos, relatou que sua filha de cinco anos, Lamia, perdeu quase metade do peso desde o início do conflito. “Ela era saudável, mas agora sofre queda de cabelo, inchaço nas pernas e problemas neurológicos. Os médicos confirmam: ela está desnutrida”, afirmou.
Segundo Mandy Blackman, enfermeira britânica da ONG UK-Med, a crise atinge especialmente gestantes e mães. “Cerca de 70% das mulheres atendidas apresentam sinais de desnutrição clínica. Isso faz com que os bebês nasçam menores e mais vulneráveis”, destacou.
O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, afirma que pelo menos 271 pessoas, incluindo 112 crianças, já morreram por fome e desnutrição desde o início da guerra. A ofensiva militar israelense começou após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, que deixou 1.200 mortos e 251 pessoas feitas reféns.
Outras famílias vivem realidade semelhante. Aseel, moradora da Cidade de Gaza, relatou que perdeu 10 quilos em poucos meses e não come frutas ou carne há longo tempo. Sua cunhada, mãe de um bebê de um mês, enfrenta dificuldades para comprar fórmula infantil. “Quando encontramos, custa em média 180 shekels, cerca de R$ 260. Não temos estoque de comida, sobrevivemos dia após dia”, disse.
A crise humanitária continua sem perspectiva de alívio, enquanto milhares de famílias enfrentam diariamente os efeitos devastadores da fome e da guerra.
Reportagem adicional de Freya Scott-Turner