Cineastas e profissionais do setor audiovisual brasileiro lançaram recentemente um manifesto pedindo a regulamentação do streaming no país. O documento, intitulado Manifesto por uma Regulamentação do Streaming à Altura do Brasil e assinado por milhares de profissionais, defende que a regulamentação do vídeo sob demanda (VOD) é a medida mais urgente e estratégica para garantir o futuro do audiovisual brasileiro.
O manifesto, que já conta com o apoio de nomes como Joel Zito Araújo, Lúcia Murat, Matheus Nachtergaele, Karim Aïnouz, Paulo Betti, Malu Mader e Marcos Palmeira, reivindica que as plataformas de streaming sejam obrigadas a investir, no mínimo, 12% de sua receita bruta no mercado brasileiro. A proposta detalha que 70% desse total seriam destinados ao Fundo Setorial do Audiovisual, por meio da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), fortalecendo políticas públicas transparentes e descentralizadas. Os 30% restantes seriam aplicados diretamente pelas plataformas em obras brasileiras independentes, por licenciamento ou pré-licenciamento, estimulando a produção privada.
Na noite da última sexta-feira (26), durante a cerimônia de abertura do Festival de Cinema Sul Americano de Bonito (Cinesur), em Bonito (MS), diversos atores brasileiros se manifestaram em defesa da regulamentação. Antônio Pitanga, em entrevista à Agência Brasil, expressou preocupação com a situação atual. “Temos que estar acesos e ligados com essa discussão e colocar a cara na vitrine para poder discutir sobre isso e exigir do governo federal, ministros, deputados e senadores [a aprovação desse projeto]”, defendeu. Ele indicou que, embora a proposta seja de 12%, os 6% que estariam sendo considerados pelo governo já seriam um avanço para o cinema nacional.
A atriz Maeve Jinkings corroborou a opinião, destacando a precarização dos contratos para os profissionais da cadeia audiovisual. “Acho que tem uma coisa aí que é fundamental: o que é que essas plataformas têm a dar para essa cadeia local aqui? Como é que a gente pode nutrir essa cadeia a partir da nossa gente, das nossas histórias e do nosso imaginário para as plataformas que estão circulando mundialmente?”, questionou. Maeve também ressaltou a insatisfação generalizada e a necessidade de mais diálogo e escuta entre os profissionais do setor.
A atriz e diretora Bárbara Paz, que apresentará seu novo documentário “Rua do Pescador Número 6” no Cinesur, também se posicionou a favor da regulação. “Não tem como não defender isso. Isso é urgente. Estamos muito atrasados nisso”, afirmou. “Somos brasileiros, fazemos filmes, fazemos um cinema que interessa ao mundo inteiro. As pessoas querem se alimentar da nossa cultura. Temos um olhar e um gosto diferenciado. Então o que queremos é filme brasileiro no streaming. E isso tem que ser pago”, defendeu.
O tema da regulamentação do streaming vem sendo amplamente discutido no Ministério da Cultura. Em janeiro, na abertura da Mostra de Cinema de Tiradentes, a secretária nacional do audiovisual, Joelma Gonzaga, enfatizou a urgência de resolver a regulação do VOD em 2025. Uma das principais metas é garantir a proteção do conteúdo nacional, o que implicaria em um percentual mínimo de produções brasileiras nos catálogos de plataformas como Netflix e Amazon Prime Video para o público brasileiro.
Atualmente, o Ministério da Cultura apoia as propostas do projeto substitutivo apresentado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), relatora do PL 2.331/22 na Câmara dos Deputados. O texto propõe uma cota de 10% de conteúdo brasileiro nos catálogos de streaming e uma alíquota de 6% de Condecine sobre o faturamento bruto anual das plataformas. Em reunião no mês passado, a ministra Margareth Menezes afirmou que a regulação das plataformas representa não apenas um marco legal, mas um passo simbólico para o Brasil no cenário internacional, como uma “afirmação de soberania cultural”, que fortalecerá a produção independente e gerará novas oportunidades.
O Cinesur teve início na noite de sexta-feira (26) com uma homenagem à atriz paraguaia Ana Brun e a exibição do filme “As Herdeiras”, pelo qual ela venceu o Urso de Prata de melhor interpretação feminina no Festival de Berlim em 2018. A edição deste ano reúne 63 filmes de nove países da América do Sul. O criador e diretor do festival, Nilson Rodrigues, destacou a missão do Cinesur de “contribuir com o processo de integração da América do Sul”. “Somos mais de 400 milhões de sul-americanos. E nós queremos ajudar nesse processo de integração”, disse. Todas as atividades do festival, que segue até 2 de agosto, são gratuitas.