A tarifa comercial de 50% anunciada pelos Estados Unidos (EUA) contra o Brasil, com aplicação prevista para 1º de agosto de 2025, funciona como uma sanção econômica com objetivo de chantagem política. Na avaliação de analistas consultados pela Agência Brasil, a medida visa atingir o Brics, proteger as gigantes de tecnologia e redes sociais americanas – as chamadas big techs – e tentar interferir no processo político e judicial interno do Brasil.
Para Pedro Linhares Rossi, professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp, não há racionalidade econômica na decisão do presidente americano Donald Trump. Ele destaca que a economia brasileira não contribui para o déficit comercial dos EUA, ao contrário do que alega Trump, e tem um peso relativamente pequeno para a economia americana.
Motivações Políticas por Trás do Tarifaço
Pedro Rossi afirmou que, do ponto de vista comercial, a decisão de Trump “não tem uma finalidade clara”. Ele a descreve como “arroubos políticos e o uso de um instrumento comercial para outros propósitos. Para ameaçar e tentar chantagear um país”. Dados do próprio governo dos Estados Unidos mostram que o superávit no comércio de bens com o Brasil cresceu 31,9% em 2024, resultando em um saldo positivo de US$ 7,4 bilhões para Washington. Essa informação contradiz a alegação de Trump de que as tarifas do Brasil “causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos”, já que o último déficit comercial dos EUA com o Brasil foi em 2007.
O economista Pedro Rossi avalia que o tarifaço não responde a problemas da balança comercial, mas sim à posição do Brasil no cenário internacional. “Ele olhou para o Brasil como um país que ele pode ameaçar sem muita consequência econômica para os Estados Unidos, como é o caso do México e Canadá. Isso foi uma reação muito espontânea e bruta à cúpula dos Brics e à forma como o Brasil está se movendo no cenário internacional”, explicou. Durante a Cúpula do Rio de Janeiro, Trump voltou a ameaçar os países que se alinham às políticas do bloco.
Camila Feix Vidal, professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destacou o timing da decisão de Trump após a cúpula do Brics. Ela diferencia a justificativa para a sanção contra a Indonésia (suposto déficit comercial) daquela contra o Brasil, onde “o tom da carta é o aspecto político. Trata-se, portanto, de tentar interferir no nosso sistema jurídico”, comentou a especialista. Na carta sobre as tarifas, Trump também saiu em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado no Brasil, atendendo a pedidos de aliados políticos de Bolsonaro por apoio contra o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ilegalidade no Direito Internacional e Resposta do Brasil
Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enfatizou que o direito internacional não permite o uso unilateral de tarifas para fins políticos. “O que se trata aqui é de um comportamento abusivo de um governo estrangeiro para obter vantagens políticas usando meios ilegais para constranger um país soberano. Existe um procedimento para aplicação de tarifas, o que passa pela Organização Mundial do Comércio (OMC)”, destacou. Prado lembrou, contudo, que sucessivos governos dos EUA vêm esvaziando o papel da OMC ao não indicar os juízes que deveriam arbitrar os conflitos comerciais.
Trump justifica a medida alegando que a relação comercial com o Brasil é “injusta” devido a “tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil”, e que a tarifa de 50% é “muito menos” que o necessário para “termos igualdade de condições”. No entanto, Pedro Rossi explica que é comum ter déficit ou superávit nas relações comerciais e que isso não significa que a relação é justa ou injusta, mas sim um reflexo da estrutura produtiva de cada país.
Para os três analistas, o governo brasileiro deve usar a Lei de Reciprocidade para responder ao governo estadunidense. Luiz Prado ressalta que “o Brasil não tem alternativa a não ser a responder com os instrumentos que ele tem disponível”, mas que deve estar sempre disposto a negociar, apesar da assimetria de poder. A professora Camila Vidal avalia que a estratégia de Trump é um “tiro no pé” e pode unir grupos políticos antagônicos no Brasil em defesa da soberania nacional, mostrando que “os interesses daquele país, por óbvio, não são os mesmos interesses que os nossos”.
Já Pedro Rossi acredita que o episódio cria uma oportunidade para o Brasil diversificar suas parcerias, fortalecer relações com Europa, Ásia, África e os próprios Brics, além de fomentar a indústria nacional. “O Brasil pode substituir uma parte dessas importações com produtos nacionais, inclusive gerando emprego e renda. Isso acelera o processo de integração com outros atores, com os próprios Brics e América do Sul. No fundo, é uma decisão que isola os Estados Unidos e joga o Brasil no colo de outros atores”, concluiu.