Os recursos federais destinados a ações que impactam a infância e a adolescência no Brasil mais do que dobraram entre 2019 e 2024, passando de R$ 96 bilhões para R$ 240 bilhões, sem considerar a inflação. Contudo, apesar do aumento, o “Gasto Social com Crianças e Adolescentes” ainda não atinge 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (9) em um estudo conjunto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Investimento por Criança Ainda é Limitado
A proporção desses investimentos no orçamento total da União também cresceu, saindo de 3,36% para 4,91% no mesmo período. No entanto, o volume total de recursos dividido pelo número de crianças e adolescentes (que somam cerca de 48,7 milhões no país, 24% da população) ainda é considerado insuficiente. Em 2024, o valor médio por criança ao ano foi de R$ 5 mil, ou seja, aproximadamente R$ 420 por mês.
Enid Rocha Andrade da Silva, técnica de Planejamento de Pesquisa do Ipea, destaca a inadequação desse valor. “Um plano de saúde infantil privado custa em média R$ 400 por mês. O gasto médio anual de material escolar em 2025, no ensino fundamental, é de R$ 400 a R$ 800. Esses R$ 400 por mês não cobrem com qualidade as outras despesas necessárias para o desenvolvimento do ensino infantil. Isso mostra que o montante ainda é limitado diante das múltiplas dimensões que o cuidado e a proteção da infância exigem”, explicou.
Áreas Prioritárias e Desafios de Financiamento
A pesquisa analisou recursos federais em áreas cruciais para a infância e a adolescência, incluindo combate à pobreza, assistência social, educação, esporte, habitação, saúde, saneamento, segurança alimentar e proteção de direitos. O estudo diferencia investimentos específicos para crianças e adolescentes (como custeio da educação e proteção à infância) de investimentos ampliados (como saneamento e transferência de renda), cujos valores foram ponderados para estimar o montante destinado a esse público.
O estudo do Ipea e Unicef alerta para o impacto das decisões governamentais. “Recursos insuficientes, mal direcionados ou mal geridos comprometem o acesso — especialmente dos mais vulneráveis — a serviços e programas essenciais que garantam sua sobrevivência, desenvolvimento, aprendizagem, proteção contra a violência e a exploração, vida em ambientes seguros e oportunidades equitativas ao longo da vida.”
A maior parcela dos investimentos foi alocada em políticas de transferência de renda, com destaque para o Bolsa Família, que teve um salto de R$ 54 bilhões para R$ 159 bilhões entre 2021 e 2023, beneficiando 32,4 milhões de crianças e adolescentes. O auxílio emergencial, em 2020, também foi significativo. A educação se consolidou como a segunda maior área de investimento, superando a saúde, com até 84,9% dos recursos em ações específicas.
Taxa de Execução Orçamentária e Perspectivas Futuras
A taxa de execução orçamentária, que representa a proporção dos recursos efetivamente gastos, manteve-se acima de 90% na maioria dos anos, exceto em 2020 (83,4% devido à pandemia). O ápice foi em 2023, com 99,5%, mas houve uma queda para 93,2% em 2024.
Para Liliana Chopitea, chefe de Políticas Sociais do Unicef no Brasil, os dados reforçam a importância de priorizar políticas sociais mesmo em cenários de crise. “Investir nas crianças e adolescentes é a melhor aposta que o país pode fazer agora e para o futuro”, afirmou. Enid Rocha, do Ipea, complementa, ressaltando a necessidade de que os ajustes fiscais sejam compatíveis com a proteção dos investimentos sociais voltados à infância e adolescência.