A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que coordena o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas dos Brics, está trabalhando ativamente para alinhar os esforços de pesquisa sobre vacinas entre os países do bloco. O objetivo principal é assegurar o acesso das populações do Sul Global a esses imunizantes. Essa necessidade se tornou inegável durante a pandemia de Covid-19, quando a escassez de suprimentos vitais fez com que as nações ricas monopolizassem as compras, deixando os países mais pobres em desvantagem.
Em uma entrevista exclusiva à Agência Brasil no Rio de Janeiro, em 8 de julho de 2025, o presidente da Fiocruz, Mário Moreira, enfatizou a importância de uma reação conjunta. “Nós vimos, na pandemia, que o Sul Global ficou no final da fila para receber vacinas, medicamentos, equipamentos de proteção individual, respiradores. Tudo chegou por último. Então, tomamos um susto e estamos, todos, agora, nos organizando em bloco”, afirmou Moreira.
Um dado que ilustra essa disparidade é o número de vacinas aplicadas até o terceiro ano da pandemia, em 2023. Das mais de 13,2 bilhões de doses administradas globalmente até março daquele ano, menos de 1 bilhão foram utilizadas na prevenção das populações do continente africano. A plataforma Our World in Data, que monitorou dados da pandemia, mostrou que países de renda alta e média-alta atingiram a marca de uma dose por habitante em agosto de 2021, enquanto os de baixa renda encerraram a emergência de saúde pública em maio de 2023 com apenas 40 doses para cada 100 habitantes.
Fiocruz Lidera Esforços por Financiamento e Autonomia na Produção de Vacinas
A cooperação entre os Brics também representa um passo adiante para a coalizão global de desenvolvimento e produção local de vacinas, proposta pelo Brasil na Cúpula do G20. Mario Moreira explicou que a fase atual foca na mobilização dos institutos de cada país para criar um repositório digital de projetos. O intuito é alinhar essas iniciativas para atender aos interesses comuns dos países, buscando nivelar as diferentes capacidades na área de vacinas.
O financiamento dessas inovações é crucial. “Esse é o tema da hora: como esse novo multilateralismo, ou o que eu chamo de coalizão dos interessados, pode se sustentar”, destacou Moreira. Ele ressaltou a importância do Banco do Brics e de grandes doadores internacionais, como a Fundação Rockefeller e a Fundação Bill e Melinda Gates. A criação de um novo órgão multilateral para financiamento científico também é uma possibilidade.
O Brasil, por meio da Fiocruz, assumiu a liderança na iniciativa de vacinas. Isso se deve à robustez de seu sistema público de vacinação e produção de imunizantes, além de sua “reconhecida tradição em cooperações estruturantes”. O país já possui um vasto histórico de colaboração com a América Latina e a África, especialmente com países de língua portuguesa, e agora amplia essas parcerias, alinhado às diretrizes do governo brasileiro.
Expansão Internacional e Combate ao “Vale da Morte” da Inovação
Para fortalecer suas relações internacionais, a Fiocruz inaugurará um escritório em Portugal no dia 22 de julho, que será um ponto focal para negociações com a Europa. Em outubro, outra unidade será aberta na Etiópia, visando reforçar as parcerias com os países africanos. A aproximação com a Índia também está em pauta, com projetos de cooperação industrial e desenvolvimento de novas vacinas já apresentados ao Ministério da Saúde brasileiro.
Recentemente, o Brasil integrou a Rede Pasteur de Laboratórios e está liderando um comitê estratégico da Organização Pan-Americana da Saúde. O objetivo é mapear as condições científicas, tecnológicas e industriais da América Latina para organizar um consórcio capaz de desenvolver e produzir vacinas, medicamentos e diagnósticos.
O presidente da Fiocruz acredita que o fortalecimento das relações internacionais do Brasil no campo científico pode ajudar o país a superar o “vale da morte”. Este termo descreve o abismo entre a produção científica e sua transformação em produtos inovadores e novas tecnologias, muitas vezes devido à falta de infraestrutura produtiva de ponta. Com esse propósito, a Fundação espera inaugurar em agosto o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, uma nova unidade que receberá projetos de produtos de saúde de todo o Brasil e do exterior para acelerar seu desenvolvimento e produção.
Foco na Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas
A cooperação entre os países do Brics para promover pesquisa e desenvolvimento de abordagens inovadoras em saúde, incluindo vacinas, foi formalizada em uma parceria para a eliminação das doenças socialmente determinadas. Esta parceria está presente na Declaração do Rio, o documento final da Cúpula de Líderes do grupo.
O objetivo da parceria é fortalecer a cooperação, mobilizar recursos e avançar nos esforços coletivos para a eliminação integrada dessas doenças. A incidência dessas enfermidades é agravada pela pobreza, desigualdade social e barreiras de acesso à saúde, o que as torna mais prevalentes no Sul Global.