O sistema carcerário brasileiro enfrenta desafios históricos que comprometem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas em situação de privação de liberdade. Em Rondônia, essa realidade não é diferente. Apesar de alguns avanços significativos em políticas de ressocialização, o estado ainda lida com problemas estruturais que afetam diretamente o acesso à saúde, à educação, à justiça e ao tratamento adequado daqueles que se encontram sob custódia do Estado.
Justiça ou vingança: uma reflexão necessária
No debate sobre direitos humanos no sistema prisional, é fundamental estabelecer uma clara distinção entre justiça e vingança. Leandro Karnal, em sua obra O coração das coisas, nos lembra que “os homens apressam-se mais a retribuir um dano do que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança, um prazer”. Esta observação, atribuída ao escritor romano Tácito, revela um aspecto profundo da natureza humana que permeia nossos sistemas de justiça.
“Buscar justiça é mais edificante do que buscar vingança. Nosso demônio interno adora usar a espada do anjo da justiça.” – Leandro Karnal
Essa reflexão é particularmente relevante quando discutimos o tratamento dispensado às pessoas em situação de privação de liberdade. Quando negamos direitos básicos aos presos sob o argumento de que “não merecem”, estamos realmente promovendo justiça ou apenas satisfazendo um desejo coletivo de vingança?
A Lei de Talião, o “olho por olho, dente por dente”, está profundamente enraizada em nossa cultura. No entanto, a evolução do Direito e da própria civilização nos conduziu à compreensão de que a dignidade humana é inegociável e não se perde com a condenação criminal. Os direitos humanos não são privilégios concedidos aos “merecedores”, mas garantias fundamentais inerentes à condição humana.
O panorama nacional do sistema carcerário em 2025
Segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Observatório Nacional dos Direitos Humanos, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 850 mil pessoas privadas de liberdade em 2025. Esse número representa um crescimento alarmante de quase 900% desde 1990, tendo quadruplicado apenas desde o ano 2000.
O déficit de vagas no sistema prisional brasileiro ultrapassa 200 mil, e aproximadamente um terço das unidades prisionais foi avaliado com condições ruins ou péssimas entre 2023 e 2024. O perfil da população carcerária revela uma realidade preocupante:
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94,5% são homens
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70% são negros
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54,8% não completaram sequer o ensino fundamental
Em termos de violência e mortalidade, foram registradas 3.091 mortes no sistema penitenciário em 2023, sendo 703 homicídios. A taxa de mortes violentas intencionais nas prisões é quatro vezes maior do que na população em geral, e os casos de suicídio entre presos são três vezes mais frequentes.
O sistema prisional em Rondônia: dados e realidade
De acordo com os dados mais recentes do Sistema Penitenciário em Números do Governo de Rondônia, o estado possui uma população carcerária de aproximadamente 13.800 pessoas, distribuídas em unidades prisionais que, juntas, têm capacidade para cerca de 12.920 pessoas. Esse déficit de vagas, embora menor que a média nacional, ainda representa um desafio significativo para a gestão do sistema.
Um dado positivo é que Rondônia se destaca nacionalmente no quesito ressocialização por meio do trabalho. Segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o estado ocupa o segundo lugar no Brasil no ranking dos estados onde mais pessoas em situação de privação de liberdade trabalham, com 44,75% da população prisional envolvida em atividades laborais, ficando atrás apenas do Maranhão.
Além disso, Rondônia foi incluída entre os 12 estados pioneiros na implementação das Centrais de Regulação de Vagas (CRV), iniciativa do programa Pena Justa que visa combater a superlotação no sistema prisional brasileiro.
Acesso à saúde no sistema prisional
O acesso à saúde é um dos direitos mais comprometidos no sistema prisional brasileiro. Em Rondônia, a situação não é diferente. A superlotação, mesmo que em menor escala que em outros estados, dificulta a implementação de medidas sanitárias adequadas e o atendimento médico regular.
A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais as fragilidades do sistema de saúde prisional. Estudos apontam que a superlotação nos presídios de Rondônia durante a pandemia comprometeu medidas importantes para o enfrentamento da doença, como o isolamento de pessoas infectadas, o que, somado às questões estruturais, agravou a situação nas prisões do estado.
No entanto, dados nacionais mostram um avanço significativo no número de profissionais de saúde atuando no sistema prisional. Entre 2007 e 2023, houve um crescimento de 564% no número de profissionais atuando nas unidades prisionais, conforme dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Educação como ferramenta de ressocialização
A educação é reconhecida como um dos principais pilares da ressocialização. Em Rondônia, avanços significativos têm sido observados nessa área, especialmente com a implementação do Plano Estadual de Educação para Pessoas Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional.
Essa iniciativa, fruto da cooperação entre a Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) e a Secretaria de Estado da Justiça (SEJUS), visa transformar a educação em uma ferramenta vital para a promoção da ressocialização dos internos.
Dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos indicam que, em âmbito nacional, apenas 16,5% das pessoas privadas de liberdade participaram de atividades educacionais em 2023. Esse percentual, embora represente um avanço em relação a anos anteriores, ainda está muito aquém do necessário para uma efetiva política de ressocialização.
A análise da situação dos direitos humanos no sistema prisional de Rondônia revela um cenário de contrastes. Por um lado, o estado se destaca nacionalmente em algumas áreas, como o trabalho prisional e iniciativas de educação. Por outro, ainda enfrenta desafios significativos relacionados à superlotação, ao acesso à saúde e à assistência jurídica.
A garantia dos direitos humanos no sistema prisional não é apenas uma questão humanitária, mas também de segurança pública. Um sistema prisional que respeita a dignidade humana e oferece oportunidades de ressocialização contribui para a redução da reincidência criminal e, consequentemente, para a construção de uma sociedade mais segura.
Retomando a reflexão inicial sobre justiça e vingança, é essencial compreender que garantir direitos humanos no sistema prisional não significa impunidade ou complacência com o crime, mas sim um compromisso com um sistema de justiça verdadeiramente eficaz. Como nos lembra Leandro Karnal, precisamos distinguir entre a busca legítima por justiça e o impulso primitivo da vingança, pois somente assim poderemos construir um sistema de justiça criminal mais eficiente, justo e humano.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Plano Nacional de Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras (Pena Justa), 2025.
KARNAL, Leandro. O coração das coisas. Rio de Janeiro: Editora Planeta, 2022.
MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA. Observatório Nacional dos Direitos Humanos: dados sobre o sistema prisional brasileiro, 2025.