Para uma parcela crescente da juventude brasileira, especialmente entre adolescentes e jovens adultos, ter um emprego com carteira assinada – regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – passou a representar um estilo de vida marcado por dificuldades: acordar de madrugada, enfrentar transporte público lotado e lidar com cobranças constantes de chefes, muitas vezes por um salário baixo.
A publicitária F.S., de Mogi das Cruzes (SP), compartilhou em suas redes a surpresa ao ouvir sua filha de 12 anos dizer que estudava para “não virar CLT”. Intrigada, F.S. conversou com outros adolescentes e descobriu que essa visão depreciativa sobre o emprego formal é comum entre os mais jovens, que associam o regime à falta de liberdade e ao insucesso.
A CLT, criada em 1943, garante uma série de direitos trabalhistas, como férias, 13º salário e seguro-desemprego. No entanto, memes e desabafos nas redes sociais mostram que, para muitos jovens, o regime virou motivo de piada ou até desprezo.
Especialistas apontam que esse sentimento tem raízes históricas e socioeconômicas. A antropóloga R. P.-M., por exemplo, afirma que o trabalho formal no Brasil, especialmente para a população de baixa renda, é historicamente mal remunerado, exaustivo e marcado por desrespeito. Por isso, muitos preferem buscar alternativas que ofereçam mais autonomia – mesmo que sem garantias legais.
As transformações digitais e o crescimento das redes sociais têm incentivado jovens a empreender online. Influenciadores como E.C., de 19 anos, conhecido como “Kinho”, ganham espaço ao defenderem um estilo de vida fora do “sistema CLT”, promovendo uma ideia de liberdade financeira e flexibilidade. Outros, como A.F., de 17 anos, largaram os estudos para abrir empresas voltadas ao marketing digital, prometendo ensinar jovens a faturar na internet.
No entanto, essa realidade vendida como acessível para todos é, na prática, limitada a poucos. Estudo realizado por pesquisadores da University College Dublin analisou milhares de contas de aspirantes a influenciadores e mostrou que menos de 2% conseguiram passar de 5 mil seguidores em quatro meses. A maioria dos que tentam não consegue obter renda significativa, e muitos enfrentam frustrações e dívidas por acreditarem em promessas irreais.
Apesar disso, a ideia de “rasgar a carteira” persiste. A designer F.S.N., de Porto Alegre (RS), argumenta que os benefícios da CLT — como plano de saúde, estabilidade e férias remuneradas — não são facilmente compensados no modelo autônomo. Segundo ela, “empreender parece atrativo, mas exige mais horas, múltiplas funções e lida com incertezas”.
Dados do FGV Ibre confirmam esse cenário: em 2024, 67,7% dos trabalhadores autônomos disseram preferir um emprego formal. Além disso, 45% afirmaram atuar por conta própria por necessidade, não por escolha.
O historiador P.F., da UFRJ, defende que a crítica à CLT é equivocada e que os problemas do mercado de trabalho brasileiro têm mais a ver com o sistema capitalista do que com a legislação em si. Ele alerta que, embora mudanças sejam necessárias para acompanhar novas formas de trabalho, o foco deve ser na ampliação de direitos — e não na sua eliminação.
Já R. P.-M. destaca que a luta deve ser por melhorias nas condições do trabalho formal. Para ela, é essencial mostrar aos jovens que vale a pena estudar e buscar estabilidade. “Os países mais desenvolvidos apostam na valorização da educação e do trabalho digno. Precisamos resgatar esse caminho.”