Por que o Brasil está debatendo, como nunca antes, os jogos de azar virtuais? A resposta pode estar na explosão do mercado de apostas on-line nos últimos anos e na forma agressiva com que essas plataformas se infiltraram na vida digital dos brasileiros — muitas vezes com a ajuda de celebridades e influenciadores. Foi diante desse cenário que o Senado instalou, em novembro de 2024, a CPI das Bets, com a missão de apurar a influência, a legalidade e os bastidores do setor bilionário das apostas esportivas e cassinos virtuais.
Diferentemente da CPI das Apostas, que foca nas manipulações de resultados no futebol, a CPI das Bets investiga o uso de influenciadores digitais para promover jogos de azar e a eventual conexão dessas atividades com crimes como lavagem de dinheiro. A relatoria está sob responsabilidade da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), ex-candidata à presidência da República, enquanto a presidência da comissão é de Dr. Hiran (PP-RR).
Celebridades sob os holofotes da CPI
Na terça-feira (13), a influenciadora Virginia Fonseca, que soma mais de 53 milhões de seguidores no Instagram, prestou depoimento como testemunha. Ela foi convocada por ser uma das principais figuras públicas a divulgar casas de apostas on-line. Seu depoimento não apenas gerou enorme repercussão nas redes sociais e na mídia, como também impulsionou o maior pico de buscas sobre Soraya Thronicke no Google desde as eleições de 2022.
A audiência também contribuiu para outro marco histórico: a CPI das Bets se tornou a mais buscada do país, superando até mesmo a CPI da Pandemia, que dominou os noticiários em 2021 ao investigar ações e omissões do governo Bolsonaro durante a crise sanitária da COVID-19.
Influência digital e responsabilidade social
O depoimento de Virginia reacendeu o debate sobre o papel dos influenciadores e sua responsabilidade na promoção de produtos e serviços — especialmente quando esses envolvem riscos financeiros e emocionais para seus seguidores. A CPI mira diretamente nesse fenômeno: como jovens celebridades da internet, com forte apelo entre o público jovem, acabam servindo como vetores de atração para plataformas de apostas.
Além de Virginia, outros nomes estão no radar da comissão. O empresário Daniel Pardim, convocado como testemunha, chegou a ser preso por falso testemunho, e sua defesa acusa a CPI de abuso de autoridade. A influenciadora Deolane Bezerra também seria ouvida, mas teve sua oitiva suspensa por decisão do ministro André Mendonça, do STF. Já a advogada Adélia Soares, que representa Deolane, será conduzida coercitivamente para depor após ausência injustificada.
O que está em jogo?
A CPI das Bets levanta discussões que vão além das fronteiras do Direito. O crescimento acelerado das plataformas de apostas, o uso de dados dos usuários, a falta de regulamentação clara e a vulnerabilidade de milhares de brasileiros diante de promessas fáceis de lucro criam um campo fértil para vícios, endividamento e fraudes.
Estima-se que o setor movimente bilhões de reais anualmente no Brasil, muitas vezes com sede em paraísos fiscais e sem fiscalização efetiva. Embora a regulamentação das apostas esportivas tenha sido sancionada pelo governo federal no final de 2023, grande parte das atividades dessas empresas continua operando em áreas nebulosas da legislação, como os chamados “jogos de cassino” on-line, ainda proibidos no país.
Uma reflexão necessária
A CPI das Bets também nos obriga a encarar uma pergunta desconfortável: quem está lucrando com a ilusão da aposta fácil? E mais: quem está sendo silenciado ou criminalizado por tentar expor essa engrenagem? O depoimento de influenciadores pode parecer apenas uma encenação política para alguns, mas revela um embate muito mais profundo entre interesses comerciais, manipulação de comportamento e políticas públicas.
Ao atrair a atenção do país, a CPI das Bets nos faz olhar para um Brasil em transformação digital — onde o entretenimento virou negócio, e o negócio, muitas vezes, virou risco. Resta saber se, ao final da comissão, teremos apenas mais um espetáculo político ou avanços reais em regulamentação, educação digital e proteção dos consumidores.
Atualização
O Ministério da Fazenda afirmou recentemente que pretende endurecer as exigências para empresas que desejam operar apostas on-line no país. Entre as medidas em discussão estão regras de compliance, rastreamento de transações e proibição de influenciadores que falem para menores de idade. Além disso, tramita no Congresso uma proposta para criminalizar a omissão de patrocínios pagos por plataformas de apostas em redes sociais.
Enquanto isso, a CPI das Bets segue com novos depoimentos marcados e mantém o Brasil atento ao que, até pouco tempo atrás, acontecia nas sombras do marketing digital.