É no espaço de ação onde o caboclo beiradeiro entra profundamente em seus devaneios, e na beira do rio ele recebe a maviosa brisa da copa dos vegetais enviada pela força divinal e mitológica do pai-da-mata em estesia. O guardião do pai-da-mata fica vigiando o caboclo, é o Caboclinho-da-mata que sabe o momento exato quando o caboclo vai abater a sua peculiar caça para honrosamente alimentar a sagrada família ribeirinha.
É na beira do rio onde a Mãe-d’água banha com suavidade os pés do caboclo sonhador. Quando amada, respeitada e preservada, a Mãe-d’água jamais deixa as embarcações ribeirinhas naufragarem ou perderem o rumo do trajeto desejado, mesmo que seja durante a noite ou na madrugada. O menino-boto vive brincando com ela, e se divertindo com as crianças, sempre levando paz e felicidade às margens do rio onde fica localizada a suntuosa colocação e o aconchegante lar do tapiri coberto de palha e com assoalho de Paxiúba.
É na estrada de seringa onde o seringueiro é atentamente vigiado pela Mãe-da-seringueira, principalmente na época da sangria e da colha. Ela cuida para que o corte da bandeira na seringueira não seja muito profundo, evitando assim a morte de suas filhas. Depois da colha e da defumação no Buião, ele alivia o peito bebendo a sua deliciosa jacuba ou chibé, e no terreiro ele fica contando as suas tradicionais narrativas da mata para os filhos e netos, mantendo assim, uma antiga tradição que aprendera com seus pais e avós.
A caça já havia acabado, e o seringueiro precisava de carne, e antes dormir ele fez uma prece ao velho-da-canoa lhe pedindo em devoção que o poderoso ser mitológico da floresta pandina brasiviana atendesse ao seu pedido e lhe mostrasse uma caça para ser abatida. Seu pedido não foi em vão, e ao adentrar na estrada de seringa ainda pela madrugada, ele consegue abater a sua preciosa caça da sobrevivência. Emocionado ele ajoelhou-se e agradeceu a graça alcançada ao velho-da-canoa.
Foi no efeito avassalador do progresso voraz, que o caboclo beiradeiro sentiu o desenvolvimento progressista chegar. Foi no efeito hegemônico dominante e crescente do processo devastador do capital, que as comunidades ribeirinhas sentiram a marginalização excludente bater na porta. Foi na intensificação desenfreada da globalização industrial-financeira mundial, que o homem amazônico sentiu o seu peculiar lugar ser condenado ao fracasso, e a sua ancestral coletividade sofrer com o desalojamento aviltante da alma mitológica.