O crescimento da presença de facções criminosas nas cidades da Amazônia Legal registrou um aumento de 46% em 2024, conforme o estudo Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC). Em 2023, o levantamento identificou 178 municípios sob influência de facções; em 2024, esse número subiu para 260 cidades, abrangendo cerca de 34% da região.
A Amazônia Legal, composta por nove estados – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão – abrange um total de 772 municípios. O estudo aponta que, embora o número de facções criminosas ativas na região tenha diminuído de 22 para 19, as organizações como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), originárias do Sudeste, são as mais influentes.
O coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, destacou que o número real de cidades afetadas pode ser ainda maior, uma vez que há localidades onde a presença de facções ainda não foi documentada de forma conclusiva.
O aumento da presença de facções tem refletido uma redução nas mortes violentas em algumas áreas da Amazônia Legal. Esse fenômeno ocorre principalmente em locais dominados por uma única facção, como o Comando Vermelho, que tem forte presença em 130 dos 176 municípios sob controle de um único grupo criminoso. Nessas áreas, a violência tende a ser mais contida, embora, onde há disputa entre facções, os índices de violência aumentem.
Entre os fatores que favorecem a expansão dessas facções, o estudo destaca as alianças formadas dentro dos presídios e a dinâmica do mercado de drogas, onde a Amazônia é um ponto crucial devido à sua localização estratégica, próxima aos três maiores produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Bolívia e Peru.
A disputa por territórios na região amazônica está profundamente ligada à exploração ilegal de recursos naturais, como o desmatamento e o garimpo, além de atividades de narcotráfico. O controle armado dessas áreas é essencial para garantir o fluxo dessas atividades ilícitas, que frequentemente se entrelaçam com a exploração de madeira e ouro, facilitando a lavagem de dinheiro.
O estudo também destaca o impacto da degradação ambiental, apontando que o desmatamento e os conflitos fundiários são intensificados por corredores de expansão econômica, como as rodovias Cuiabá-Santarém e a Transamazônica, que trazem violência e destruição ao longo de seu trajeto.
A violência, antes concentrada em grandes centros urbanos, tem se interiorizado, transformando pequenas cidades em áreas de conflito. Exemplos de cidades como Santana, no Amapá, e Sorriso, no Mato Grosso, que outrora eram pacatas, mostram como as facções estão ganhando força em municípios menores. Cumaru do Norte, no Pará, ocupa o topo da lista das cidades mais violentas da Amazônia Legal, com uma taxa alarmante de 141,3 mortes por 100 mil habitantes.
Essas cidades, que antes eram principalmente voltadas para atividades como garimpo e agricultura, agora se tornaram centros de disputa entre facções e de crimes ambientais, mostrando a diversificação das atividades ilegais na região.
À medida que o Brasil se prepara para sediar a COP 30 em Belém, em 2025, a questão da violência e do crime organizado na Amazônia Legal torna-se um obstáculo significativo para as iniciativas de sustentabilidade e financiamento climático. A relação entre o narcotráfico e os crimes ambientais dificulta a implementação de modelos de desenvolvimento sustentável, como as bioeconomias que visam preservar a região.
Aiala Colares Couto, diretor-presidente do Instituto Mãe Crioula e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alertou que a perpetuação de práticas predatórias no desenvolvimento econômico da região tem contribuído para a destruição ambiental e para o aprofundamento da violência. Segundo ele, é necessário repensar os modelos de desenvolvimento para alcançar a verdadeira sustentabilidade na Amazônia.
O estudo também aborda o impacto da violência contra a mulher na Amazônia Legal, com uma leve queda no número de homicídios femininos, mas com a taxa de feminicídios ainda acima da média nacional. Além disso, a pesquisa revelou que mais de 20 mil propriedades rurais estão ilegalmente em áreas de terras indígenas ou unidades de conservação, exacerbando os conflitos territoriais na região.
O estudo também aponta a relação entre as pistas de pouso clandestinas e o garimpo, com o estado de Roraima possuindo mais de 200 dessas pistas, facilitando o tráfico de drogas e outras atividades ilegais. A situação na Amazônia Legal evidencia que ser indígena na região é significativamente mais perigoso do que em outras partes do Brasil, com a região concentrando 56% das vítimas indígenas do país.
O aumento das facções criminosas na Amazônia Legal reflete uma série de desafios interconectados, incluindo a violência, a exploração ilegal de recursos naturais e o narcotráfico. A interiorização da violência e o crescimento dessas organizações criminosas têm impactos profundos tanto na segurança pública quanto no meio ambiente, dificultando o alcance de modelos de desenvolvimento sustentável para a região.